INTRODUÇÃO
Em sistemas mais sofisticados, não é raro encontrar fones de ouvidos empurrados por amplificadores e DACs bastante imponentes. O meu é um exemplo: o DAC Yulong D100 não é dos maiores, mas o GS-X, com seus dois chassis, está longe de ser discreto. Não é bem que tamanho seja documento, mas ao mesmo tempo, um bom equipamento geralmente exige um número saudável de componentes que não costumam ser pequenos. Capacitores e transformadores são exemplos de peças substanciais que têm influência direta sobre a sonoridade e a potência de um amplificador.
Entretanto, conveniência também pode ser muito importante, e por isso uma nova categoria de produtos parece ter surgido nos últimos tempos: conjuntos de DAC/amplificador USB ultraportáteis, não muito maiores que pen-drives. A ideia é que eles são companhias convenientes que podem ser ligadas a notebooks e que oferecem uma qualidade de som maior do que a de suas saídas de fones integradas.
O primeiro aparelho do tipo que lembro de ter visto foi o AudioQuest Dragonfly, e desde então uma série de concorrentes começou a aparecer, até o que tenho aqui para avaliação, que causou um grande rebuliço nos entusiastas: o Geek Out.
UMA HISTÓRIA DIFERENTE
Sua história foi um tanto conturbada. Ele foi criado pelos engenheiros da Light Harmonic Labs, responsável pelo desenvolvimento de DACs caríssimos e extremamente sofisticados, usando o financiamento por crowdfunding. Para os que não sabem, o crowdfunding funciona da seguinte forma: ao invés de procurar investidores ou de usar o próprio capital para custear o desenvolvimento de um produto, uma marca vai diretamente para os consumidores usando plataformas como o Kickstarter ou o Indiegogo, fazendo uma campanha em que apresenta a ideia do produto e estabelecendo uma meta de arrecadação mínima necessária para seu desenvolvimento.
Os que se interessarem por ele podem optar por financiar o projeto com diferentes quantias, e cada uma delas os entitula a algum retorno específico: desde camisas e adesivos, por exemplo, até o próprio produto quando ele estiver pronto (a um preço geralmente promocional) e, em muitos casos, edições especiais com benefícios extras para doações substanciais. Em suma, é um brilhante novo paradigma na relação entre os consumidores e as marcas e os designers, possibilitado pela tecnologia e pelas mídias sociais.
O Geek Out foi um enorme sucesso de arrecadação, superando em múltiplas vezes sua meta inicial. O problema é que a marca pareceu se animar demais com essa realidade, e acabou se enrolando um pouco. Houve muitas mudanças no design do Geek Out, com atrasos sucessivos, e antes mesmo de finalizar seu desenvolvimento, a LH Labs já estava criando novos produtos, como o Geek Wave e o Geek Pulse, e veiculando novas campanhas de crowdfunding – o que, a meu ver, é um desrespeito com aqueles que já haviam pago e estavam esperando por seu Geek Out há meses.
Em Maio de 2015, a marca lançou o Geek Out V2 numa nova campanha de arrecadação, mas dessa vez no Indiegogo. Assim como no caso do primeiro aparelho, a campanha superou a meta inicial e o envio das primeiras unidades está previsto para esse mês, Agosto de 2015.
ASPECTOS FÍSICOS E FUNCIONALIDADE
O Geek Out original vinha em quatro versões: 100, 450, 720 e 1000. Os números se referem à potência de saída em mW, então o 100 era o menos potente, otimizado para intra-auriculares mais sensíveis, e o 1000 o mais forte, com 1W de potência. O 450 (a versão que tenho aqui) custava 199 dólares; o 720 saía por 249; o 100 era 289 dólares; e o 1.000 custava 299. Ao mesmo tempo em que ter diversas opções é interessante, é ruim ter que escolher um equipamento inteiro para um determinado grupo de fones ao invés de ter opções de ganho no próprio aparelho. Afinal, se o usuário tiver um conjunto variado de fones, em teoria seria necessário mais de um Geek Out. Porém, essa foi uma questão que o Geek Out V2 resolveu.
Ao passo que todas as versões são capazes de decodificar arquivos de até 32bits/384kHz, inclusive DSD 128, nativamente, em termos de funcionalidades não há muito. No primeiro firmware, o 1.0, era possível alterar o volume no próprio aparelho e selecionar a taxa de upsampling em até 8x, além de habilitar um modo chamado “3D awesomifier”, que adicionava mais espacialidade à apresentação. No entanto, o firmware 1.5, além de corrigir alguns problemas (um deles, picos inesperados de volume que poderiam danificar o fone ou a audição, bem grave), trouxe melhorias – os filtros TCM, time coherence mode e FRM, frequency response mode – que impossibilitaram a manutenção do 3D awesomifier. Além disso, nesse firmware, o controle de volume passou a ser feito exclusivamente pelo computador.
Consequentemente, usar o Geek Out é relativamente fácil. No caso de um Mac é apenas plug&play, mas em PCs é necessário instalar os drivers e um software próprio, chamado Light Harmonic Control Panel. Aliás, aqui aproveito para fazer uma reclamação: só é possível fazer o upgrade de firmware em computadores com Windows. Outro pequeno problema durante o uso é o calor excessivo que o GO produz. Em algumas situações chega a ser difícil encostar nele por mais de 5 segundos.
Há duas saídas P2 no Geek Out, com impedâncias diferentes: a da esquerda possui 47 ohms de impedância de saída, podendo ser usada com fones de maior impedância de entrada e como line-out (fazendo com que o GO atue somente como DAC), e a da direita possui apenas 0.47 ohms, sendo portanto destinada a fones de impedância mais baixa.
Fisicamente ele é bem construído, feito quase inteiramente em metal – só os jacks P2 são de plástico –, compacto e relativamente atraente, estando disponível em várias cores. O único acessório incluso no pacote é uma pequena extensão USB.
O SOM
Apesar de um aparelho desse tipo geralmente ser algo claramente focado num nicho de mercado, o enorme sucesso da campanha do Geek Out e sua linguagem de marketing, assim como alguns outros sinais interessantes nesse cenário (como o Pono Player), mostram que talvez estejamos observando uma popularização cada vez maior da busca pelo áudio de qualidade. Portanto, talvez um dos grandes obstáculos do GO não seja o AudioQuest Dragonfly ou o Cambridge DacMagic XS, e sim desafiar o status quo – ou seja, fazer com que pessoas que não são necessariamente entusiastas o vejam como uma compra interessante. Por isso, a primeira coisa que farei é compará-lo diretamente à saída de fones de ouvido tanto do meu MacBook Pro (2011, de 15 polegadas) quanto do meu Mac Pro (6 núcleos, 2013). É uma comparação interessante, visto que em minha opinião a saída de fones de ambos os computadores é bastante competente.
Em primeiro lugar, há a comum questão do ruído de fundo. Saídas de fones comuns de computadores geralmente apresentam esse problema – ao menos com intra-auriculares mais sensíveis –, e aqui não é diferente. Tanto com o JH Audio Roxanne quanto com o Xtreme Ears Xtreme ONE o Mac Pro é o que o apresenta em maior proporção, enquanto o MacBook Pro é o mais silencioso. O Geek Out 450 não é a versão otimizada para intra-auriculares, mas é a menos potente entre as “normais” e por isso ainda acho que ele deve se comportar bem com fones desse tipo.
Ele não se mostrou totalmente silencioso, e apresenta um nível de ruído de fundo semelhante ao do MacBook Pro. É algo que não ouço nem com o Yulong D100 e nem com o HeadAmp GS-X. Dito isso, é um piso que está longe de incomodar, já que é totalmente imperceptível mesmo em passagens extremamente silenciosas. Em termos de potência, porém, o Geek Out é o mais fraco dos três. Com ele, preciso colocar o volume um ou dois pontos acima da saída direta de fones.
Já em termos de assinatura e de qualidades gerais, sendo sincero, acho que encontrei diferenças muito sutis. O Geek Out me parece ligeiramente mais encorpado e eufônico, com um pouco menos de ênfase nos médio-agudos e agudos. Mas é uma diferença pequena e que eu dificilmente seria capaz de detectar num teste cego com um intervalo de mais de, digamos, 10 segundos entre as audições.
Com relação ao Yulong D100 as diferenças são mais evidentes, mas talvez não na direção que você está imaginando. O Geek Out é consideravelmente mais aberto e transparente, enquanto o D100, em comparação, me parece mais fechado, escuro, com pouca presença nos agudos e uma sonoridade mais centrada nos médios. Em termos de tonalidade o GO se mostrou muito mais próximo do HeadAmp GS-X (minha referência), e por consequência o vejo como mais neutro.
Isso não significa, porém, que como amplificador e DAC o Yulong seja pior que o Geek Out – e por consequência que as saídas de fones do MacBook Pro e do Mac Pro –, mas sim que é uma personalidade diferente. Na maior parte dos casos prefiro a apresentação do Geek Out, que me parece mais neutra, mas sei que muitas pessoas vão preferir o D100. Em alguns casos também o prefiro, como por exemplo com o Audio-Technica W3000ANV. E não podemos nos esquecer, evidentemente, que o Yulong é muito mais potente e apropriado para um número muito maior de fones – desde intra-auriculares sensíveis, como o Roxanne, até circunaurais famintos, como o HD800. Inclusive, com o HD600, essa tonalidade mais neutra do Geek Out torna-se muito menos evidente frente à maior autoridade e pegada proporcionada pelo amplificador mais potente do D100.
Já em comparação com o HeadAmp GS-X, apesar de em termos de tonalidade os dois estarem bem mais próximos, ainda existem diferenças: em primeiro lugar, o Geek Out me parece sensivelmente mais eufônico, com médios e graves um pouco menos secos e definidos, por assim dizer. O solo da Esperanza Spalding em Love In Time deixa isso evidente – no GO seu contrabaixo acústico é mais embolado. O GS-X também sai na frente em termos de refinamento e, principalmente, na habilidade de mostrar um espaço tridimensional (com maior expansão lateral e em profundidade) mais evidente e desenvolvido. O GO me soa mais “chapado” numa comparação direta. Entretanto, logicamente, essa está longe de ser uma comparação justa.
Já como DAC, comparado ao Yulong e usando a saída de 47 ohms como line-out alimentando o GS-X, surpreendentemente, as diferenças são muito menores, e não parecem se estender à tonalidade. Ambos são muito parecidos, mas o D100 parece trazer uma camada extra de espacialidade que o Geek Out não mostra.
CONCLUSÕES
O Geek Out 450 se mostrou um aparelho muito interessante, mas talvez não em todos os casos.
Por um lado, gostei de sua simplicidade e conveniência e também de sua tonalidade, que me parece bastante neutra, inclusive quando comparado ao meu Yulong D100. São personalidades distintas, mas na maior parte dos casos prefiro a do GO em termos de assinatura sonora (não considerando a menor potência de saída).
Por outro, não estou totalmente convencido dos benefícios trazidos por ele em relação à saída de fones dos meus computadores. Até acho que o Geek Out é melhor, mas por uma margem minúscula e que, para os meus ouvidos, certamente não vale o preço. Ao mesmo tempo, sei que muitos computadores possuem saídas de fones muito menos competentes e, com eles, o GO certamente trará benefícios – mas ainda nesses casos, não posso esquecer de alguns aparelhos que custam menos mas são mais completos, como por exemplo o FiiO E17K. Não sei dizer de memória como os dois se comparam em qualidade de som, mas em termos de funcionalidade, o chinês claramente leva vantagem.
Penso que as versões mais fortes (principalmente a 1000) fazem muito mais sentido porque elas sim vão muito além do que as saídas de fones comuns de computadores podem oferecer em termos de potência, e ter algo pouco maior do que um pen-drive capaz de empurrar um HD800 ou um planar-magnético cascudo com autoridade é fantástico – quanto mais se elas mantiverem as mesmas virtudes tonais que o 450, o que imagino ser o caso. Arrisco dizer que, tendo em vista o que ouvi dessa versão, as mais potentes têm o potencial para me agradar até mais do que meu Yulong D100 como um conjunto de DAC e amplificador, o que é impressionante para algo desse tamanho e preço. Porém, ainda me incomodaria o fato de haver apenas uma única opção de ganho, o que limitaria os fones com os quais ele poderia ser usado.
Por isso, fico um pouco incerto sobre o Geek Out em sua primeira versão, porque apesar de ele ter diversos talentos, sua aplicabilidade me parece um pouco limitada. Sua segunda versão, entretanto, parece resolver a maior parte desses problemas: a V2 comum vem numa única versão que conta com três opções de ganho, e a V2+ é maior e mais cara porém pode ser usada como DAC e amplificador para celulares, assim como o FiiO E17 que mencionei anteriormente, resolvendo em partes a questão da funcionalidade.
Consequentemente, apesar de ter gostado do Geek Out 450, talvez eu o veja mais como um ponto de partida, um primeiro passo, para algo que – aí sim – tem o potencial de se tornar realmente especial.
Geek Out 450 – fora de produção ($299 pelo Geek Out v2)
- USB 2.0
- PCM até 384kHz/32bit e DSD 64/128 nativamente
- Entrada: USB, coaxial, ótica, 3.5mm (P2)
- Classe-A
- Impedância de saída: 0.47Ω/0.47Ω
- Potência de saída: 450mW
- Entrada digital: até 24Bits/192 kHz
Equipamentos Associados:
Fones: Audio-Technica ATH-W3000ANV, Beats Solo2, EarSonics Velvet, Grado HP1000, JH Audio Roxanne, InEar SD-1, Ortofon e-Q8 e Sennheiser HD600
Fontes/Amplificadores/Transportes: Yulong D100, HeadAmp GS-X, HeadAmp pico Slim, MacBook Pro, Mac Pro