INTRODUÇÃO
Existem basicamente três tipos de diafragma em fones full-size: dinâmicos, isodinâmicos (ortodinâmicos) e eletrostáticos. Expliquei de modo simplista as diferenças entre eles no meu artigo sobre especificações, mas o resumo é que os eletrostáticos são normalmente considerados os melhores fones em existência, por possuírem um diafragma inacreditavelmente leve e plano, o que resulta num nível de distorção risível, resposta a transientes supersônica, detalhamento invejável e capacidade aparentemente infinita de resolução. Pontos negativos? Bem… não existem muitos, mas alguns reclamam de falta de peso e impacto. Os maiores defeitos, no entanto, são o preço e a necessidade de um amplificador (energizer, estritamente falando) específico para fones eletrostáticos.
Mas não tenho medo ao afirmar que são preços a se pagar por uma qualidade sonora de outro planeta, quanto mais se estivermos considerando um eletrostático de alto nível como o objeto dessa avaliação: o SR-007, também conhecido como Omega II.
A Stax criou, no início da década de 90, o SR-Omega como uma resposta ao Sennheiser HE90, o Orpheus. Porém, pouco tempo depois, em 1995, a empresa foi à falência. Pouco após sua ressurreição, trouxe o que seria uma revisão, porém mais barata, do seu antigo topo de linha. Assim nasceu o SR-007. Existem basicamente três versões do fone: as mais antigas, chamadas de SR-007 e SR-007BL (mercados japonês, champagne e marrom e americano, prata e preto, respectivamente), as segundas, introduzidas em 2007, chamadas SR-007A e SR-007 MKII e as últimas, sem mudanças no nome mas com mudanças no equilíbrio tonal. Essas últimas têm o número de série começando em SZ3.
Curiosamente, essa ordem é normalmente considerada como o inverso da qualidade de som. As mais antigas são as melhores, enquanto as mais novas são as piores. De modo geral, os SR-007 possuem uma sonoridade decididamente quente, lush, com graves fartos, médios incrivelmente líquidos e sedutores e agudos presentes e cristalinos – detesto usar esse termo, que é muito geral, mas nesse caso se aplica, e muito –, mas comportados. Os MKI são os mais neutros da série, enquanto os MKII têm mais graves e agudos, e os mais novos, da série SZ3, são ainda mais puxados para os agudos.
Devo esclarecer que esse review, mais do que qualquer outro, vai ser do sistema SR-007 MKI com o energizer eXStatA. Pelo que dizem, as diferenças que amplificadores diferentes trazem aos eletrostáticos é mais significativa do que no caso dos dinâmicos, e infelizmente não possuo outro amplificador com o qual testá-lo. O eXStatA é uma opção DIY desenvolvida pelo Alex Cavalli, e é um energizer de ótimo custo benefício, mas não há como negar que está muito aquém do necessário para fazer esse fone chegar a seu verdadeiro potencial – o que se consegue com um HeadAmp KGSS e BHSE, ou ainda com o raríssimo Stax SRM-T2. Então, entendam esse texto como uma avaliação do sistema. Esse fone pode chegar a uma performance maior do que a descrita aqui. Tenho certeza de que isso não invalida o review, já que certamente estou ouvindo 70% do SR-007, e já vai ser possível ter uma boa ideia do que ele realmente é.
ASPECTOS FÍSICOS
O fone vem num pacote simples: fone, caixa para transporte e manual. A caixa foi de certa forma uma decepção, porque parece ser de fibra de carbono e metal. No entanto, é apenas um compensado revestido com adesivo. O lado positivo disso é que te assegura que o dinheiro foi investido no fone, e não nos apetrechos! As caixas foram modificadas nas versões mais novas, mas não sei se foi só o design.
A qualidade de construção do SR-007 em si é fenomenal. Ele é todo em alumínio, com algumas pequenas partes em plástico, e bastante couro genuíno – nos pads, no headband e no elástico que prende o fone à cabeça. É luxuosíssimo e passa a forte impressão de solidez e primor de construção. O cabo é longo e bem construído – inclusive, os cabos da marca são elogiadíssimos pelos entusiastas.
Em questão de conforto, só tenho a elogiar. Ele é sem dúvida nenhuma o fone mais confortável que já usei, e olha que já usei vários. A pressão na lateral da cabeça é absolutamente perfeita para se criar um fit sem qualquer desconforto, e os pads de couro abraçam a cabeça como um travesseiro de seda. O elástico também exerce a pressão ideal, aliviando o peso do fone – que, diga-se de passagem, não é grande. Na minha opinião, ele é também um dos fones mais bonitos já fabricados, principalmente em sua versão mais nova, preta.
O SOM
É muito estranho descrever o som de um fone com essa palavra, até porque acho que as interpretações dela nesse caso são subjetivas, mas tenho dificuldades de pensar em outra que se encaixe tão bem: luxuoso. É uma mistura de calor, elegância, leveza, autoridade, conforto, effortlessness e envolvimento.
Tenho medo de chamá-lo de neutro, porque não há como negar que trata-se de um fone quente. Mas acho que seria como chamar o Sennheiser HD600 de neutro. Pode-se dizer o mesmo do AKG K701, apesar de eles serem fundamentalmente diferentes. Parece que o Stax está do lado quente e eufônico da neutralidade. A carta na manga do 007 é que esse calor não fica no caminho do detalhamento, da transparência extrema e da leveza de sua apresentação.
Dito isso, seu equilíbrio tonal pende para o lado eufônico, mas é neutro, se um pouco escuro. Graves são fartos, têm textura impressionante e bom impacto, os médios são um verdadeiro exemplo em liquidez e doçura e os agudos têm uma presença excelente e timbre muito correto. Por isso, o SR-007 é um all-rounder dos melhores, se saindo excepcionalmente bem com absolutamente qualquer estilo musical.
Os graves são excelentes, soam redondos e corretíssimos. Peso, corpo, presença e textura são ideais. Em questão de quantidade, são um pouco menos fartos que os do JH13Pro, mas ainda mais presentes que os do K701. Isso não é algo negativo, pelo contrário, na apresentação geral do fone, é exatamente como eu gostaria. Corpo e impacto também são excelentes – acredito que reclamações sobre isso em eletrostáticos se resumem aos mais simples, já que não há do que reclamar no Omega II. Textura é um caso a parte – como é um eletrostático, o nível de detalhes aliado à resposta a transientes cria uma texturização impressionante nos graves, que não é comparável à do Orpheus, mas que deixa qualquer dinâmico que já ouvi comendo poeira. É no mínimo curiosa a capacidade de renderizar tão bem as texturas dos violoncelos ao final da Patética de Tchaikovsky e, ao mesmo tempo, o enorme peso das batidas da Median, do Breakfast, no álbum Anjunabeats 9. Imagino o que aconteceria com um BHSE como amplificador…
Consequentemente, tanto rock quanto música eletrônica, estilos dependentes de uma boa performance nas frequências mais baixas, são muito bem apresentadas pelo 007. Ele não convêm a mesma energia do JH13Pro (até hoje o melhor fone para rock que já ouvi), mas não fica longe. Tem uma apresentação mais comportada e, de certa forma, mais correta. Quanto à extensão… bem, vejam os números ao final do artigo. Acho que não preciso falar nada.
Quanto aos médios, é engraçado… acho realmente difícil falar muito aqui. Eu poderia simplesmente passar alguns parágrafos usando e abusando de superlativos para descrever a região média desse Stax. Vou dizer simplesmente que são de um calor, liquidez, clareza, e corpo de levar meu queixo ao chão. É como se fossem de seda, não há como explicar. Vocais, pianos e guitarras em boas gravações são de chorar. A Quiet Nights, do CD homônimo da cantora e pianista Diana Krall, é um daqueles casos: só vendo para crer. Quer dizer, nesse caso, ouvindo. É de um envolvimento e de uma sedução realmente inacreditáveis.
O melhor de tudo é que esse calor, diferentemente de tudo o que já ouvi, não vem a custo de transparência e detalhamento. Esse é o único fone que já ouvi que é, ao mesmo tempo, doce e eufônico mas transparente e detalhista. Ele consegue recuperar microdetalhes com uma proeza incrível, mas ele não os joga na sua cara, simplesmente os coloca ali para serem ouvidos caso o ouvinte queira. Sua personalidade mais escura parece criar um finíssimo véu no som, algo parecido com o Sennheiser HD600, mas esse véu é extremamente discreto e não tira nada da música – ao invés disso, é como se ele estivesse, de certa forma, tentando (e conseguindo) tornar a experiência ainda mais doce e agradável. Isso funciona até em rock. Apesar de conseguir ser tão doce, ele não perde a capacidade de ter autoridade e peso quando lhe é requisitado. O álbum Night Is The New Day, da banda Katatonia, é um atestado disso. A banda mistura um instrumental realmente agressivo com vocais suaves e melodiosos, e o que o Stax consegue fazer com as músicas é espetacular.
Os agudos também beiram a perfeição. Eles têm um pico notável, mas é novamente mais como uma coloração eufônica do que um problema. Assim como nos médios, eles parecem ter um discreto véu praticamente transparente por cima deles, o que mais uma vez não vem a custo de neutralidade e pura transparência. Pratos de bateria são muito bem apresentados – se um pouco finos em algumas situações. Fora isso, novamente não há do que reclamar. A presença, o brilho, a clareza, a velocidade e a transparência são praticamente irrepreensíveis. O fato de esse fone soar escuro parece ter mais a ver com os médios do que com os agudos.
O palco sonoro, seguindo a personalidade do SR-007, é mais intimista do que expansivo. Apesar de ser muito preciso no posicionamento, no recorte e no arejamento, ele não é um exemplo em expansão, e se limita a um espaço curto se comparado, por exemplo, ao Sennheiser HD800. Definitivamente não é algo que me incomoda, mas aqueles esperando por uma experiência totalmente aberta podem se decepcionar. É um palco muito natural, algo como o do JH13Pro, mas, pelo fato de ele ser aberto, a sensação de arejamento e de ausência de limites é muito maior. Não se assustem pela comparação, esse IEM tem um palco incrível, mas ele te passa a sensação de ser fechado. O Stax, em compensação, tem o palco de um tamanho parecido – o que é um elogio, não soa artificial como o AKG K701 ou ainda como o HD800, de certa forma – , ou seja, extremamente correto e realista, mas sem a sensação de limites. É como se ele simplesmente levasse a música mais para perto de você, mas não tanto a ponto de o ouvinte perder espaço para respirar.
A capacidade de resolução também é nada menos que incrível. Não existem passagens complexas para o SR-007. E isso usando uma fonte simples como o Cambridge DacMagic e uma amplificação boa mas honesta, como o eXStatA. As diferentes camadas são apresentadas de forma exemplar. Ainda no Quiet Nights da Diana Krall, é possível identificar claramente a voz em primeiro plano, o piano e os pratos da bateria em segundo, seguidos pelas cordas em terceiro e pela percussão no quarto. Dinamicamente o fone também é excelente. Não é tão impressionante nesse quesito quanto o JH13Pro, já que ele parece te preparar ao que vem – ao contrário do monitor. Em concertos de piano, por exemplo, as variações de intensidade das notas são muito evidentes. O início do Segundo Concerto para Piano de Rachmaninoff, com o solista Lang Lang, é forte evidência de sua capacidade.
No todo, o SR-007 se revela como um fone de capacidades extremas, mas elas não são jogadas na cara do ouvinte com prepotência. Ao invés disso, elas são reveladas de maneira suave, e tornam um fone simplesmente apaixonante.
CONCLUSÃO
O Stax SR-007 definitivamente faz jus à fama. Não é à toa que ele é considerado um dos melhores fones já produzidos. Sua capacidade de criar uma conexão emocional com a música é inacreditável, e o excelente equilíbrio tonal faz com que isso seja aplicável a qualquer estilo musical. Suas características são únicas, e aliam habilidades que, em outros equipamentos, são mutuamente exclusivas.
Ele é capaz de prover a energia e a autoridade necessárias para gêneros mais energéticos, mas não esconde que suas verdadeiras habilidades estão na sedução de uma incrível renderização de jazz, peças acústicas, folk e música erudita. A palavra chave nesses casos é essa, sedução – e conforto. Esse fone é realmente apaixonante e é capaz de amolecer o ouvinte mesmo quando ele está em seus momentos mais insensíveis. É muito fácil se apaixonar por uma boa performance de um vocal feminino com o Stax. Elas ganham uma nova vida.
Não tenho como enfatizar o quão delicioso é chegar de um dia difícil no trabalho e colocar o Stax SR-007 na cabeça. O foco não é nem sua proeza, nem o sistema e nem mesmo a música: é você. Ele vai encontrar um jeito de te apresentar a música da melhor forma possível, e acredite, isso não acontece a custo da neutralidade. Ele nunca vai deixar de ser neutro. Mas vai ter sempre um jeitinho de te conquistar tocando música exatamente como você quer
Ele pode tocar qualquer coisa, das músicas mas leves às mais pesadas. Mas parece que o que ele quer de verdade é te seduzir tocando Diana Krall.
Ficha Técnica
Stax SR-007 MKI – fora de produção (entre US$ 1.600,00 e 2.000,00 no mercado de usados)
Stax SR-007 MK2 – US$ 2.600,00
- Driver eletrostático push-pull
- Sensibilidade (10kHz): 100dB/100V r.m.s.
- Impedância (10kHz): 170.000 ohms
- Resposta de Frequências: 6 – 41,000 Hz
- Bias Voltage: 580V (Stax Pro Bias)
Energizers Recomendados – necessários para o funcionamento do fone
- Stax SRM-323S – US$ 999,00 – melhor custo benefício comercial atualmente
- Stax SRM-717 – fora de produção (entre US$ 1.000,00 e 1.400,00 no mercado de usados)
- Stax SRM-007t –fora de produção (entre US$ 1.100,00 e 1.400,00 no mercado de usados)
- Stax SRM-727A – US$ 1.999,00
- HeadAmp KGSS – fora de produção (entre US$ 1.800,00 e 2.200,00 no mercado de usados) – o melhor meio termo entre custo e performance
- HeadAmp BHSE – US$ 4.995,00 – o mais indicado
- Projeto KGSSHV – projeto em andamento
- Ray Samuels A-10 Thunderbolt – US$ 6.500,00
- Woo Audio WES – US$ 4.990,00
Equipamentos Associados:
- Transportes: iMac, MacMini
- DACs: Electrocompaniet ECD-1, Cambridge Audio DacMagic
- Amplificação: eXStatA
- Energia: AC Organizer LC111
- Cabeamento: Acoustic Zen Krakatoa, BlueJeans XLR