INTRODUÇÃO
Ainda me lembro de quando vi pela primeira vez um equipamento da B.M.C. Não sei ao certo se era uma propaganda ou uma avaliação, mas dizia que eram verdadeiros equipamentos high-end a um preço acessível. Isso me chamou bastante a atenção, porque se trata de uma companhia alemã (o que costuma ser bom) e quem estava na foto era o monobloco M2, que na minha opinião é excepcionalmente bonito.
Comecei a observar que a nova marca estava começando a ficar mais conhecida, sendo frequentemente vista em exposições como a Rocky Mountain Audio Fest. Cheguei, inclusive, a ler vários elogios sobre esses aparelhos.
Por isso, quando vi, um tempo depois, o lançamento do PureDAC, um DAC que também atua como amplificador de fones e pré-amplificador, fiquei um tanto curioso – quanto mais quando descobri que o preço seria aproximadamente 1.690 dólares. Isso faz com que ele esteja numa faixa de preço bem interessante, por ser relativamente acessível (principalmente tendo em vista suas múltiplas utilidades). Em compensação, é também uma faixa perigosa, pelo fato de a concorrência não ser pequena.
Um detalhe curioso é que, geralmente, aparelhos desse tipo possuem “blocos” funcionais: um DAC, um amplificador de fones e um pré. Ao que parece, o PureDAC não funciona assim. De acordo com a marca, ele é um DAPC (digital-to-analog power converter), então não existem estágios extra de amplificação. Tanto o pré quanto o amplificador de fones são partes do conversor I/V do DAC – que é o que converte a corrente do DAC para uma voltagem analógica –, sem qualquer estágio de ganho.
É uma receita extremamente interessante, visto que a não-existência de um equipamento – ao menos “filosoficamente” – é o que promove a maior fidelidade. É como já vi dizerem a respeito de cabos: o melhor cabo é o não-cabo, isto é, aquilo que não impõe sua personalidade e cumpre sua função utopicamente.
Graças a um respeitado e estimado colega audiófilo, André Maltese, estou tendo a oportunidade de testar esse novo equipamento em meu sistema. Gostaria de agradecê-lo pelo empréstimo.
ASPECTOS FÍSICOS E FUNCIONALIDADE
Mil e seicentos dólares não é pouco dinheiro, mas a verdade é que não é tanto para um aparelho muito sofisticado. O PureDAC pode ser considerado acessível, mas em termos estéticos ele parece custar muito mais do que efetivamente custa.
É consideravelmente grande e todo construído em metal, com o tradicional motivo circular da marca na parte da frente, que segue até a parte traseira do equipamento. A frente é espelhada, e todas as inscrições, em tom branco, só aparecem quando o aparelho é ligado. Ele transborda classe e sofisticação. O problema é que essa parte espelhada requer cuidados, já que atrai digitais com louvor.
Um detalhe interessante do B.M.C. é que há controles de volume e função mute independentes para a saída de fones de ouvido e a função de pré. Por isso, temos dois indicadores de volume (no centro do círculo) e um controle e botão de mute em cada lado. Além disso há um seletor de entrada e duas saídas para fones: uma single-ended e outra balanceada, com um conector XLR de 4 pinos.
Um pequeno detalhe que me incomoda é o fato de o PureDAC não memorizar a posição de volume usada anteriormente. Sempre que o ligo, preciso ajustar o volume do pré ou o da saída de fones e colocar a que não será usada no mudo. É mais ou menos como acontece com o meu DAC Abrahamsen V6.0, mas com a seleção de entrada. Sempre que ele é ligado, preciso colocá-lo na entrada USB.
Na parte de trás, encontra-se as entradas digitais USB, Toslink, AES/EBU e coaxial, as saídas analógicas, single-ended e balanceadas e conexões B.M.C. Link, específica para conectá-lo a outros aparelhos da marca.
A quantidade de formatos suportados é extensa. Vai dos 16 aos 32bits, suportanto frequências entre 44.1 e 384kHz. Além disso, não só o PCM é suportado: o cada vez mais buscado DSD é convertido sem problemas pelo PureDAC – tanto o DSD64 quanto o DSD128.
Os que acompanham o site sabem que para mim, 44.1kHz já são o suficiente, e nunca ouvi uma clara superioridade em arquivos de alta resolução. O DSD, em compensação, não é apenas uma maior – e possivelmente inaudível – quantidade de informações, é um formato totalmente diferente, baseado na modulação delta-sigma. É o formato usado pelos SACDs.
Cheguei a fazer alguns testes com o formato, mas encontrei várias dificuldades. Primeiramente, os arquivos são extremamente escassos, imensos (uma música que baixei possui 490Mb), e a reprodução ainda é muito complicada num Mac. Poucos programas são capazes de decodificar os arquivos (todos são pagos), a configuração é complexa e, no final das contas, não ouvi uma diferença grande a ponto de me fazer querer passar por tamanha inconveniência. De qualquer forma, é bom saber que o B.M.C. é à prova do futuro, sendo capaz de lidar com basicamente todos os formatos do mercado.
Duas adições que seriam bem-vindas, no entanto, são uma saída digital, para que possa ser feito um bypass para outros DACs e, principalmente, entradas analógicas para que apenas o amplificador de fones seja usado. Sei que esse equipamento é principalmente um DAC, mas é bom ter opções mais variadas de possíveis upgrades no futuro.
Por último, um toque que é muitas vezes esquecido no mundo dos equipamentos audiófilos, mas para mim é altamente valorizado: um controle remoto! Ele ainda não é capaz de ligar e desligar o aparelho, mas me permite ajustar os volumes da saída de fones e do pré e de colocá-las no mudo. O tempo que passo com aparelhos sem controles remotos me fez esquecer o quão convenientes eles são, e o quanto podem facilitar nossa vida.
O SOM
Os aparelhos que chamamos de DACs giram em torno de um pequeno chip, que é o conversor propriamente dito. Sua implementação, assim como o que ocorre antes (a obtenção do sinal digital) e depois (a parte analógica) têm importância fundamental na forma como o chip vai lidar com a conversão, mas considero possível dizer que esse chip é responsável pela personalidade essencial de um aparelho.
Algumas marcas são amplamente usadas hoje em dia, como a Wolfson, a Burr-Brown (agora TI) e a ESS, com seus conhecidos Sabre. Vejo que equipamentos que usam um chip específico costumam ter uma sonoridade mais puxada para um lado, e onde isso parece ser mais forte é justamente no Sabre – que o PureDAC utiliza.
Tudo o que li a respeito desse chip e dos DACs que o utilizam – como o Buffalo, o X-Sabre e os Ressonessence Labs – indica que ele possui uma personalidade de certa forma mais analítica, com um melhor detalhamento e maior atividade nos agudos. No PureDAC, encontrei bem mais do que isso.
Ele é sim mais frio que meu Abrahamsen V6.0, mas é impressionante o quão mais suave e tonalmente correto ele me soa – e isso se torna ainda mais curioso quando me lembro que comparei meu DAC a um EMM Labs e não encontrei diferenças justamente no equilíbrio tonal.
Há uma sonoridade mais linear, que me lembra em muito a personalidade do HeadAmp GS-X. É tudo muito lógico e coerente. Comparando imediatamente ao Abrahamsen, é como se os médios se tornassem menos agressivos (característica que nunca notei nele, aliás, mas que fica evidente quando o comparo diretamente ao B.M.C.), a sonoridade menos cheia mas mais correta. Me lembra muito o que ouvi quando comparei os players HiFiMAN HM-801 e iBasso DX100 usados como DAC: este me soava mais frio mas bem mais correto, enquanto aquele era mais quente mas, curiosamente, mais agressivo. Costuma ser o contrário.
Com o PureDAC, ganho um desempenho mais interessante nos graves e nos agudos, ao mesmo tempo em que ouço médios mais comportados e menos quentes porém mais doces. A única vantagem do Abrahamsen – e do Electrocompaniet ECD-1 também – é que eles me parecem um pouco mais competentes em termos espaciais. É uma apresentação que me traz mais profundidade e, consequentemente, um espaço mais tridimensional. Não estou dizendo que essa característica não está presente no B.M.C., mas que nele ela é menos evidente.
Com os meus fones, usando o GS-X, gostei muito do resultado. Esperava ganhar uma personalidade mais fria, possivelmente indesejável para fones como o Sennheiser HD800, mas gostei muito do que ouvi e achei a sonoridade geral do sistema muito natural e correta. Para esse fone em particular acabo preferindo a leve musicalidade dos DACs desenhados pelo Per Abrahamsen, mas no HiFiMAN HE500, no Grado HP1000, no Audio-Technica W3000ANV e, principalmente, no JH Audio Roxanne, prefiro a apresentação do PureDAC.
Isso se repetiu, porém com mais força, no sistema de caixas. Acredito que a sinergia – isto é, a combinação harmoniosa da sonoridade de cada equipamento na cadeia – é, para mim, quem dá a última palavra no desempenho de um aparelho como esse, e no sistema da sala, o B.M.C. me trouxe um resultado consideravelmente mais interessante. O problema é que a eletrônica desse set foi escolhida para um par de KEFs XQ40, caixas excepcionalmente transparentes e algo frias, então são aparelhos mais preocupados com eufonia e musicalidade: integrado Marantz PM-11S2 e DAC Electrocompaniet ECD-1.
Foi feito, há um tempo, um upgrade nas caixas para as Jamo R907, que já são mais musicais. Por isso, a sonoridade geral acabou ficando exageradamente quente e um pouco velada, e ainda não houve tempo/disposição/capital para repensar a eletrônica. O PureDAC trouxe uma personalidade muito mais adequada para o Marantz e as Jamo do que o ECD-1. Foi capaz de fornecer uma aparente dose extra de informação, e uma sonoridade em geral mais equilibrada.
O próximo passo foi ouvir a saída single-ended de fones do B.M.C., e a coisa mudou um pouco. A primeira boa surpresa foi ouvir que ele possui uma capacidade camaleônica – assim como o HeadAmp GS-X – de empurrar desde o JH Audio Roxanne com total silêncio de fundo até o HD800 e o HE500, com toda a autoridade que eles pedem. A parte ruim veio quando ouvi uma completa troca de personalidades. Tudo o que eu disse sobre o quanto o Abrahamsen é mais centrado nos médios e mais agressivo que o PureDAC, que em contrapartida me soou mais natural e coerente, se inverteu e ganhou novas proporções. Isso me deixa confuso, visto que em teoria não há estágio extra de amplificação, então o que pode estar acontecendo?
Sei que definitivamente não é o GS-X que está colorindo as coisas, tendo em vista que trata-se de um dos amplificadores mais neutros já projetados – e, cada vez mais, tenho a oportunidade de comprovar esse fato. Ele realmente assume a personalidade do DAC usado, mostrando exatamente o que ele está fazendo. Nenhum dos amplificadores que já tive foi capaz de mostrar diferenças tão evidentes nos DACs que já usei, enquanto dá a qualquer fone que é ligado a ele o que precisa para tocar espetacularmente bem.
Quando troquei para a saída XLR – que, vale dizer, deve ser usada apenas com fones realmente balanceados, e nunca com fones single-ended com um adaptador –, a situação melhorou consideravelmente, mas ainda assim ouvi uma personalidade menos correta que na combinação GS-X + Abrahamsen ou ainda que o PureDAC usando o HeadAmp como amplificador. A sonoridade é mais centrada nos médios, mais agressiva e menos refinada. Isso é muito curioso, já que é uma personalidade diametralmente oposta à do DAC quando ele alimenta o GS-X, e não há estágio extra de amplificação. Eu deveria estar ouvindo basicamente o mesmo que ouvi quando o usei com o HeadAmp, mas o resultado foi completamente diferente.
Acho que no PureDAC é fundamental que a saída balanceada seja usada. A single-ended é, na minha opinião, deficiente, o que para mim representa um problema de versatilidade – afinal, pouquíssimos fones vêm balanceados de fábrica, e quantos de nós estamos dispostos a recabear todos os nossos fones? Só meu HE500 é balanceado. Uma das coisas que mais me agrada no HeadAmp é justamente essa versatilidade, e me incomoda saber que no B.M.C. é praticamente necessário usar a saída XLR – possível apenas com um dos meus fones, e um que, diga-se de passagem, é o menos sofisticado de todos.
Ainda me confunde que a balanceada seja menos competente que o GS-X – já que ela em teoria representa apenas o excelente DAC, e não um estágio extra de amplificação –, mas quando penso no fato de o GS-X, que é apenas um amplificador, custar consideráveis mil dólares a mais, isso se torna perfeitamente aceitável. Por isso, acho que é uma diferença de desempenho justificada, e se eu não soubesse que não há amplificação dedicada no PureDAC, eu não estaria confuso dessa forma. É apenas a “não-existência” de amplificação que me trouxe expectativas mais altas do que aquela trazida por sua faixa de preço.
CONCLUSÕES
O B.M.C. PureDAC mostrou ser um DAC realmente fantástico. Não é particularmente comum encontrar equipamentos que sejam capazes de aliar transparência e detalhamento extremos a uma apresentação suave e musical. Esse DAC é um dos que conseguem fazer esse truque com maestria. Ele apresenta uma personalidade muito natural, coerente e equilibrada, com altíssimos níveis de resolução e transparência.
Fisicamente parece ser mais sofisticado do que já é e, para completar, é versátil em termos de conexões e, principalmente, nos formatos de arquivos suportados.
Minhas únicas ressalvas se dão com relação às saídas de fones (principalmente a relativamente deficiente single-ended, que me parecem levemente agressivas e centradas nos médios, o que é curioso visto que essa característica é oposta à personalidade do DAC em si. Isso não significa que ele não vá fazer um bom trabalho empurrando fones – é uma questão de sinergia e não podemos esquecer a estimada capacidade de empurrar basicamente qualquer coisa. Mas eu gostaria, de qualquer forma, de ouvir mais do extremo refinamento que ouvi do PureDAC como DAC alimentando o GS-X na saída de fones.
Isso não diminui, no entanto, as proezas do B.M.C. como conversor digital-analógico. Gosto muito do meu Abrahamsen V6.0, e não pensei que fosse dizer algo do tipo tão cedo – mas vou sentir bastante falta do PureDAC no meu sistema.
A B.M.C. é importada e distribuída exclusivamente pela RELM Audio. Telefone: (11) 2538-5005
B.M.C. PureDAC – R$5.715,00
- Conversor digital-analógico com conversão corrente-voltagem (I/V) Current Injection
- Interface USB assíncrona de alta resolução suportando até 24Bits/384kHz
- USB DSD: DSD64, DSD128
- Entradas AES/EBU, coaxial, Toslink e USB
- Amplificador de fones balanceado com conversão digital/power analog (DAPC), tecnologia load-effect free (LEF), MOSFET lateral, estágio de saída LEF com baixíssima impedância e controle de volume sem perdas Digital Intelligence Gain Management (DIGM)
- Controles de volume separados para pré e amplificador de fones
- Controle remoto
Equipamentos Associados
- Headphones: Audio-Technica W3000ANV, Grado HP1000, HiFiMAN HE500, Sennheiser HD800, Sennheiser HD 25-1 II
- Earphones: JH Audio Roxanne, Sony EX1000, Etymotic Research MC3
- Caixas de som: Jamo R907, Dali Lektor 2
- Amplificadores de fones: HeadAmp GS-X
- Amplificadores de caixas de som: Marantz PM-11S2, JVC A-S5
- DACs: Electrocompaniet ECD-1, Abrahamsen V6.0