Focal Utopia

Introdução

Quando passei a encarar fones como um hobby propriamente dito, já existiam no mercado, de forma consolidada, full sizes de alto padrão que chamamos de clássicos, como os Sennheiser HD600, 650, 700 e 800; os Beyerdynamic, entre eles o lendário T1; os AKG séries 6, 7 – linhas K e Q –, o K812 e o K1000; e por último, a lenda HE-6, e os HE-400 e 500, da Hifiman. Perdoe-me o brevíssimo resumo. A lista de clássicos é muito maior.

Ou seja, entrei tardiamente em relação ao alvoroço que estes fones, e tantos outros, geraram no mercado audiófilo e profissional. E nada falei de IEMs, um capítulo à parte dentro dos clássicos.

Outro capítulo desde a minha entrada no hobby, refere-se aos preços. Se antes os fones topo de linha, fora as exceções, giravam na casa dos mil dólares, hoje temos a Abyss e a Hifiman protagonizando fones na casa dos 5 e 6 mil dólares, podendo ser ainda mais impressionante tais valores se acrescentarmos acessórios extras. Leia-se cabos e embalagens “diferenciados”, que elevam o preço do Abyss para 8.300 dólares! Fones migraram, portanto, para a linha de produtos de luxo. E não menos caros, cada grande marca têm seu representante de preço estratosférico. Entre os mais notáveis, ressaltaria os Sennheiser HD820, ZMF Vérité, Audeze LCD-4 e Focal Stellia. Poderia elencar também os fones da Final Audio e Ultrasone. Hoje todas têm um exemplar, porque ninguém quer ficar de fora do “filão”. Há exceções, mas conta-se nos dedos.

Em 2015, a Focal, uma fabricante francesa de renome, entra no mercado de high ends, apesar da ampla experiência em fones voltados ao mercado profissional e a vasta linha de caixas de som e autofalantes automotivos. Vale lembrar que o Elear, modelo de entrada, começava na casa dos mil dólares, a linha limite, digamos, de alguns anos atrás. Entretanto, quando da chegada destes, a Focal causou frisson, porque além de muito bons em sonoridade, os aspectos físicos impressionavam.

E nesse contexto chego no Focal o Utopia, um fone francês, de 4 mil dólares, com muitas coisas para dizer.

Aspectos Físicos

Os três exemplares da marca – Elear e Utopia; e o Clear – dispõem de um design sólido, o que acaba por transmitir qualidade e robustez, apesar de alguns detalhes. Isso se estende aos acessórios de modo geral.

O Utopia traz as pads em couro de cordeiro e espumas de efeito memória. A proteção da alça de cabeça é em couro, também de boa qualidade. Os garfos que seguram os cups são de carbono e as conexões são de alta qualidade. Tudo está bem integrado com os elementos de plásticos, que também são muito bons. O conforto também é bom e passei horas ouvindo música sem sentir fadiga por conta do design.

Sendo o fone todo preto, com alguns elementos em tons de cinza, a inscrição “Focal” prateada nos cups e um círculo cromado não concêntrico, que declara a cereja do bolo, os drivers de Berílio em formato M, o fone é muito bem resolvido em construção e estética. Vale dizer que há muitos relatos dos drivers pararem de tocar, misteriosamente, o que não é um bom sinal para a marca, mas principalmente para os usuários. Felizmente a empresa parece ter reconhecido isso como falha e diz ter solucionado essas questões. E aumentou a garantia do produto para 5 anos.

Foto de Paulo Mário

Se a construção do lado estético parece impecável e a apresentação é muito boa, principalmente para o fone, mas também caixa e cabo, não posso dizer o mesmo quanto a usabilidade: o cabo é somente ok. Por um lado, é extremamente robusto e de boa qualidade, mas por outro, excessivamente comprido, o que piora demais o uso, dada a pouca maleabilidade e o alto peso. Soma-se a isso os conectores nos cups serem proprietários, que encarece o valor de um cabo mais lógico para este tipo de produto. Custo a crer que o Utopia sirva ainda a herança da Focal no mercado profissional. E lembro que fones um pouco mais recentes da marca, o Clear, e sobretudo o Stellia, têm cabos melhores quanto à questão da usabilidade.

A caixa segue o padrão do Elear, já mais bem discorrido em vídeo pelo Leonardo, com pequenas diferenças estéticas de costura e alça que segura a tampa, aqui acabados em vermelho.

O Utopia me transmite beleza, harmonia e certa sensualidade. Os fones da Focal estão entre os mais bonitos e podem compor, quase como uma peça artística, no ambiente de áudio da sua casa.

E o som?

Foto de Diego Freitas – @hifijungle

Acho os fones da Focal, ao menos essa tríade, muito autênticos. Eles têm personalidade e guardam a assinatura da marca, com pequenas diferenças que, quando se ouve com calma os três, tornam-se mais perceptíveis. Tive o Elear e tenho o Clear hoje. Passei algumas semanas com o Utopia e pude ouvi-lo em algumas ocasiões, antes e depois de devolvê-lo ao proprietário. Cabe fazer um disclaimer aqui.

Lembro bem da primeira vez que ouvi o Utopia, em Curitiba, com o hobbysta José Mauricio. Fiquei bastante impressionado e a palavra que veio imediatamente à cabeça foi realidade/naturalidade. Não estava com minhas músicas, embora estivesse ouvindo só coisas finas em boas mídias – CD e SACD. Depois ouvi pela segunda vez em Florianópolis, ao lado do grande amigo Paulo Mario. E, novamente, a mesma sensação veio na cabeça: realidade/naturalidade. Foi ainda mais forte, pois tive mais horas de uso em um set diferente do primeiro, mas também de altíssimo nível – Eddie Current Zana Deux e PSAudio DirectStream Jr.

A essa altura, já tinha ouvido com calma o LCD-4 do mesmo amigo e, ao contrário deste, a assinatura Focal me parece seguir outro rumo. No francês, todos os sons são imediatamente colocados para o ouvinte, de forma clara, com bastante correção – neutro e muito verossímil – sem deixar de ser divertido quando assim a música pede. Como escrevi na revisão sobre o LCD-4, lá, todos os detalhes mais importantes estão presentes, importando que a música esteja sempre, digamos assim, agradável. Aqui a música é apresentada sem rodeios. Direta e com uma precisão timbrística que impressionam. Ele é mais suscetível a mídias de má qualidade, porém. Essas asperezas serão apresentadas.

Entretanto, essas características não se assemelham ao HD800 (e 800s) da Sennheiser. No Utopia, se a música pede animação na região dos graves, como quando se ouve Charlotte Cardin, Crioulo, Ana Cañas, Duda Beat e Alice Caymmi, por exemplo, você recebe a animação sem pensar que aquilo está errado, tampouco colorido. Não falo da extensão dos graves, que isso a série 800 da Sennheiser tem, embora seja impressionante, ainda, como descem esses drivers dinâmicos, na região dos graves. Estou falando de presença e impacto e o Utopia entrega isso. É divertido ouvir música nele. Por outro lado, se não for essa a tônica da música, ainda que, claro, existam graves, ele não irá tender para esse lado; ou seja, vai entregar baixas de modo muito correto, sem ser frio. Basta ouvir Eric Clapton, Led Zeppelin e Nils Lofgren para perceber. Existe muita textura nos graves e são apresentados em camadas. Pode gerar um certo choque de como vem tanta textura, presença e realismo, a depender do que já se ouviu até se deparar com o Utopia.

Foto de Paulo Mário

Não tenho, para o meu gosto, nenhuma crítica nessa região. Já li que alguns prefeririam mais presença, mas discordo. Acredito, inclusive, que o grande trunfo do Utopia sobre o Clear é justamente um leve incremento na região dos graves, sem que isso seja lido como algo mal feito, pois não prejudica absolutamente nada na região dos médios e confere uma pitada muito saborosa nas audições. Obviamente estou falando isso tendo os 2 exemplares lado a lado, já que, como disse, a assinatura da Focal está no Clear, portanto, essa sonoridade divertida, sem ser colorida, se faz presente desde o Elear. Este, aliás, é o mais divertido, com um forte soco na região dos graves e subgraves; o Clear, porém, é o mais correto. Contudo, é o Utopia que mostra que correção não precisa vir às custas da máxima diversão possível.

Na região dos médios, novamente não tenho tanta coisa pra dizer. Não tenho críticas aqui. Simplesmente me pego ouvindo os vocais incrivelmente realísticos nele. Essa é a métrica em todas as faixas de frequência: realismo. E eles soam líquidos e com grande harmonia. Sou surpreendido, muitas vezes, com uma posição bastante central que eles tomam em várias músicas. Les échardes, da Charlotte Cardin, é um deleite aqui. Guitarras, nessa região, ele consegue conciliar realismo e detalhamento que impressionam, e peso. Instrumentos de cordas ficam excepcionais.

Recorro a Jack Johnson, álbum “Sleep Through The Static”; fica incrível. Eu realmente fico impressionado nesta região e chamaria ela de auge neste fone. Tenho dúvidas se os médios do Utopia se equiparam, em sedosidade, aos do Audeze LCD-4 e do Stax 007, até hoje os que mais me impressionaram nesta região. Cabe dizer que o eletrostático ouvi em um único set que aqui passou – amplificador Stax SRM-007tA. E dizem que este sobe bastante em um Aristaeus, BHSE ou um T8000. Dito isto, se ele não se iguala, está muito perto e esse é o maior elogio que poderia fazer ao francês.

Foto de Paulo Mário

As altas do Utopia é onde eu guardo alguma crítica. Esta região não me incomoda em nada, sinceramente; mas preciso dizer que sim, elas estão bastante presentes, também na transição dos médios para os agudos e isso pode conferir uma sonoridade mais agressiva para alguns. Não a mim. Isso soará mais agressivo em relação a músicas muito comprimidas e piora se forem rápidas. Estes podem soar metalizados, mas creio que isso está mais na música que na característica do fone. Lógico, ouvir um fone velado, escuro, pode atenuar essa impressão para o ouvinte. No Utopia, no entanto, você ganha excelente detalhamento e, para mim, não soa frio ou estéril como outros fones. Muito menos tão dependente de correta amplificação – leia-se HD800.

É nessa região que ele difere dos demais que já ouvi até aqui e de alto nível: Empyrean, Vérité, LCD-4 e Stax 007; mas também HE-1000v2 e HE-6. Os quatro primeiros buscam um lado mais musical e sedoso, como que filtrando a música – sem colorir, fique muito claro – mas entregando ao ouvinte o som dos instrumentos dessa região (agudos) de forma mais macia e não agressiva. Em relação aos exemplares da Hifiman, ele consegue explorar essa região com a intensidade destes, mas avança em realismo, equilibrando onde estes podem soar mais duros ou com certa aspereza. É revelador alternar entre álbuns do Miles Davis e Esperanza Spalding com estes caras. Isso que tanto o 1000v2 como o HE-6, principalmente, exigem muito de um ajuste fino do setup. Ainda hoje, mesmo tendo o Violectric V281 para conduzi-los com a máxima autoridade, me pego surpreso quando alterno entre Hugo 1 (como DAC) e o Cayin iDAC-6.

Se a assinatura Focal está presente nos três modelos abertos da marca, a questão da espacialidade neles também se assemelha. E não são os mais espaciais do mercado atual, nem com melhor palco, embora tenham excelente resolução e precisão no posicionamento dos instrumentos e vozes. Por um lado, o som menos espacial, não torna etérea a música como ela pode parecer em alguns modelos com maior espacialidade. Por outro, há muita mix e master bastante congestionadas – comprimidas em excesso e/ou mal gravadas, o que não raro acaba fatigando a audição em fones com essa característica. No entanto, o Utopia avança em relação ao Elear e me parece tão eficiente quanto o Clear, mas um pouco menos agradável, nesse aspecto, em relação ao Empyrean, da Meze, e certamente pior que o LCD-4, que concilia magistralmente espaço e presença, a antítese do etéreo que um HD800 pode ser se mal combinado com os equipamentos e as músicas.

Por fim, ressalto outra enorme proeza do Focal Utopia: como é fácil de tocar. Os drivers de berílio, à revelia dos 80 Ohms de impedância, tocam mais fácil que os de alumínio/magnésio e 55 Ohms do Clear, para a mesma sensibilidade, 104dB SPL/1mW @ 1kHz. E o Clear já toca muito em um LG V30. É fantástico, no mínimo.

Conclusão

Case do Clear, adquirida em separado

A Focal acertou muito com esse trio e é no Utopia onde se encontra o máximo, tecnicamente falando, do que a empresa entende como deve ser uma apresentação musical. E compactuo dessa visão, para essa assinatura. Um fone com bom equilíbrio tonal – graves e médios irrepreensíveis. E um leve acento nas altas. Uma sonoridade direta, frontal, muitíssimo refinada, que traz o ouvinte para o centro da apresentação musical. Isso pode ter um custo negativo: a soma dessa apresentação em um espaço menor – nada tão problemático – pode fatigar mais rapidamente o ouvinte. Encontrei como solução ficar atento ao volume, já que para estilos mais agressivos ou crus, metal e rocks antigos, ele agride um pouco mais os ouvidos, embora nade de braçadas nestes mesmos gêneros, me lembrando os Grados. E que elogio.

Fora esse aspecto, que é pequeno diante de tantas proezas, e me parece ser a proposta da marca, estamos diante do flagship da Focal e uma referência nesse tipo de assinatura. É difícil de encontrar críticas, portanto. E sigo do ponto de vista do usuário “audioentusiasta”, não profissional, que quer música – primeiro – tocadas em equipamentos mínimos, quaisquer que sejam, inclusive os avançados.

Foto de Diego Freitas – @hifijungle

Pelo valor que a marca pede, certamente você levará uma das audições mais refinadas e versáteis do mercado, e do que ouvi. Embora devesse, na minha opinião, vir com mais acessórios e que fossem mais funcionais, ainda assim entrega conforto e facilidade de tocar direto do smartphone, ou em um bom player portátil. E já um som que impressiona. O Focal Utopia é uma forte recomendação.

Magistral!

Entre outros, cantaram:

  • Red Hot Chili Peppers – The Uplift Mofo Party Plan – (16/44);
  • Primus – Sailing the Seas of Cheese – (24/96);
  • Sun Ra – Jazz In Silhouette – (16/44);
  • Nils Lofgren – Acoustic Live (16/44);
  • Carlos Kleiber – New Year’s Concert In The 150th Jubilee Year Of The Wiener Philharmoniker (16/44);
  • Olivier Latry – Bach to the future (24/96);
  • Kamasi Washington – Heaven and Earth – (16/44);
  • Engenheiros do Hawaii – Acústico Ao Vivo – (Tidal);
  • Mastodon – Crack the Skye – (16/44);
  • Death – The Sound of Perserverance – Reissue – (Spotify);
  • Overkill – The Grinding Wheel (24/96);
  • Daft Punk – Random Access Memories – (DSD128);
  • Pink Floyd – The Dark Side Of The Moon – (16/44);
  • Michael Jackson – Thriller – (16/44);
  • Arne Domnérus – Jazz at the Pawnshop: 30th Anniversary (Tidal);
  • Guts – Hip Hop After All – (mp3 320kbps);
  • Angélica Duarte – Odara – (Tidal);
  • Badi Assad – Verde – (Tidal);
  • Imelda May – Love Tattoo – (Tidal)
  • Zamajobe – Ndawo Yami – “Ye Wena Sani” – (Tidal);
  • Charlotte Cardin – Big Boy EP – (16/44);
  • Luedji Luna – Um Corpo no Mundo – “Banho de Folhas” – (Spotify);
  • Felix Hell – Organ Sensation – “Prelude” e “Fugue” – (Tidal);
  • Jonas Nordwall – Widor – (24/88);
  • Julian Bream – The Essential Julian Bream – (24/44) e J.S. Bach – (16/44);
  • Duda Beat – Sinto muito (Tidal);
  • Macaco Bong – Deixa Quieto (Tidal);
  • Royal Flemish Philharmonic – Ludwig van Beethoven: Symphony No.9 in D minor – (DSD64).

Equipamentos que passaram:

  • Samsung Galaxy S9+ e UAPP;
  • PC Windows com Audirvana Plus, Roon e Foobar;
  • Chord Hugo 1 e 2 (DAC e Amp);
  • Chord Mojo (DAC);
  • Violectric V281 (amp SS);
  • Cayin iHA-6 (amp SS);
  • Eddie Current Zana Deux (amp OTL valvulado);
  • DNA Stratus (amp TOTL valvulado);
  • iFi Pro iCAN (amp hibrido – SS e válvulas).
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