UMA HISTÓRIA: O CAMINHO ATÉ O ROXANNE

Jerry

Jerry Harvey

Jerry Harvey talvez seja uma das pessoas mais adoradas no mundo dos fones de ouvido. É impressionante ver uma pessoa que simplesmente desenvolve fones ser alvo de inúmeros pedidos de fotos e autógrafos, mas é isso que acontece em eventos de áudio. Parte disso acontece devido à sua história: foi ele quem criou fones de ouvido personalizados, e mais tarde fundou a Ultimate Ears.

Após a venda da empresa à Logitech, ele criou a JH Audio que, de acordo com a minha percepção, foi a marca que mais popularizou os monitores intra-auriculares dessa categoria. Algumas marcas renomadas já existiam, como Westone e Earsonics por exemplo, mas me parece que nenhuma delas tem penetração no mercado no nível da JH Audio. É também interessante observar a quantidade de novas marcas que foram surgindo, pegando carona no sucesso de Jerry: Unique Melody, 1964 Ears, Heir Audio, Noble Audio…

Durante um bom tempo, os topos de linha da JH Audio eram o JH13 Pro e JH16 Pro: este com 8 alto falantes por ouvido e uma sonoridade mais focada nos graves, e aquele com 6, com pretensões mais neutras. Essa dupla causou furor na comunidade audiófila, e o JH13 Pro permaneceu como meu in-ear preferido por muito tempo – até eu ouvir o Unique Melody Mentor.

Em 2012 foi introduzido o JH-3A, mostrando que o espírito inovador de Jerry ainda estava a todo vapor. Era um sistema, composto por um JH16 Pro modificado, sem um crossover interno, e um aparelho separado que atuava como DAC, DSP, crossover ativo e amplificador. Basicamente, ele pegava um sinal digital, decodificava com o DAC interno, processava o sinal com o DSP – realizando alterações que o otimizavam especificamente para o fone, trazendo correções de fase e tempo – e, com o crossover ativo, dividia o sinal em três faixas de frequência e enviava cada uma delas para um amplificador dedicado. Ou seja, havia um amplificador para as BAs dedicadas aos graves, outro para as dos médios e outro para as dos agudos. Além disso, havia um ADC (conversor analógico-digital), para interpretar um sinal analógico e realizar o mesmo processamento, e um controle de graves.

JH-3A

JH-3A

Foi uma ideia revolucionária, mas que infelizmente não vingou. O problema é que a ideia de um crossover ativo sucedido por três amplificadores havia sido desenvolvida enquanto ele estava na Ultimate Ears, e ele conseguiu a patente. Logo, quando vendeu a marca, não tinha mais acesso à própria ideia que havia criado, visto que ela agora era de uma marca com a qual ele não mais se relacionava. Por isso, o JH-3A de produção acabou passando a não mais ter um crossover ativo, o que era um dos maiores apelos do produto – ainda que o resultado final dessa versão fosse praticamente o mesmo da idealizada. Outra questão foi que houve problemas com muitas unidades, que apresentavam ruído de fundo excessivo.

A situação melhorou quando Jerry teve mais uma ideia brilhante: uma das grandes vantagens do JH-3A era o DSP, que trazia correções de fase e tempo no sinal. A questão é que um fone de armaduras balanceadas usa tipos diferentes de falantes, destinados a diferentes faixas de frequência, e por isso eles entregam um sinal com velocidades diferentes; em tempos diferentes. Sua grande sacada foi pensar numa maneira física de fazer a mesma coisa, explorando a posição dos falantes e o comprimento do canal que vai deles até a saída do fone. Assim, os falantes dos agudos, que têm a resposta mais rápida, ficam mais distantes da saída, com um canal mais longo, e os dos graves, com a resposta mais lenta, ficam mais próximos. Os médios ficam num meio termo. Essa solução apresenta claras vantagens – não é necessário ter um aparelho a mais, com um processamento a mais, e alimentação a baterias. É muito mais simples e econômica, e tão eficaz quanto. Não só isso: há mais liberdade para o uso de amplificadores e DACs do gosto usuário.

Tubos do freqphase

Tubos do freqphase

Essa tecnologia foi chamada freqphase e incorporada tanto ao JH13 Pro quanto ao JH16 Pro (incluindo o do JH-3A), sem acréscimo de preço. O resultado foi um desempenho ainda mais competente da dupla. Essa correção de tempo e fase traz como consequência um grande incremento na transparência e na resolução, já que a integração entre as diferentes BAs é otimizada. Nesse momento, decidi fazer um upgrade do meu JH13 Pro pré-freqphase, mas não sabia se deveria partir para o JH13 Pro revisado ou para o JH-3A. A seção de DSP deste último passou a ser praticamente irrelevante, mas eu gostava da ideia do controle de graves.

Foi aí que Jerry Harvey anunciou o Roxanne: um monstro de 12 (!) alto falantes por ouvido – três grupos de 4 –, controle passivo de graves incorporado ao cabo, opção de corpo de fibra de carbono e disponível em versão universal ou personalizada. Não sei como o controle de graves é feito, mas acredito que seja alguma alteração no crossover, que limita o funcionamento dos 4 falantes de graves. Não tive dúvidas e pulei no barco.

O problema é que talvez tenha sido cedo demais. O Roxanne foi anunciado e disponibilizado como pré-venda, mas aparentemente a JH Audio não antecipou o volume massivo de pedidos, particularmente para a versão de fibra-de-carbono, que custava 200 dólares a mais. Como eu já estava gastando 1.600 dólares com o fone, decidi “enfiar o pé na jaca” e partir para o adicional que trazia uma estética muito interessante.

Problemas na fibra de carbono

Problemas na fibra de carbono

Resultado: encomendei o fone em Outubro de 2013, minhas impressões chegaram à fábrica dia 1º de Novembro e, no final de Janeiro, eu ainda não tinha o fone ou uma previsão mais precisa. Como se não bastasse, o tópico sobre o Roxanne no Head-fi mostrava que a marca estava enfrentando sérios problemas, e isso não me surpreendeu. Gosto muito de carros, e por isso sei que trabalhar com fibra de carbono é excepcionalmente difícil. Consequentemente, a JH Audio estava com muitas dificuldades na produção dos fones desse material. Os poucos que já haviam sido entregues – apenas uns 4 ou 5 – apareciam a passos de tartaruga e apresentavam problemas de acabamento, tanto no fone quanto na case, que é feita do mesmo material. Bolhas na resina eram frequentes, e houve até um caso com impressões digitais bem na placa externa do fone. É chocante saber que o fone saiu da fábrica daquela forma.

Outro problema estava aparecendo no cabo. O esquema do controle de graves exigiu um novo cabo, com 4 conectores em cada fone, ao contrário do normal, que são dois. Para isso, foi desenvolvido um novo cabo, mais sofisticado e com um esquema de rosca muito parecido com o do Sony EX1000. É um grande incremento em relação aos onipresentes dois pininhos de fones personalizados comuns. No entanto, começou a aparecer um número alarmante de roscas que simplesmente se despedaçavam. Felizmente a JH Audio reconheceu o problema e começou a procurar por uma solução, enviando um novo cabo sem custo para aqueles que enfrentaram o contratempo. No entanto, acredito que isso não deveria acontecer, e problemas sérios desse tipo deveriam ter sido identificados antes da entrega dos fones aos clientes.

Esses problemas são agravado pelos conhecidos problemas da fabricante, que sofre com um pré e pós venda relativamente deficientes. E-mails sem resposta não são raros, e isso aconteceu comigo algumas vezes.

Problemas no cabo

Problemas no cabo

Fiquei sabendo que a marca contratou mais funcionários para trabalhar num turno noturno – ou seja, funcionaria 24 horas para aumentar a capacidade de produção – e que comprou mais fornos para a cura da fibra de carbono, mas eu seguia sem previsão de entrega e com uma comunicação relativamente problemática com a marca. Por esse motivo e pelo medo de problemas com o fit ­– se já seria trabalhoso pedir um refit com acrílico, imagine com fibra de carbono –, resolvi mudar o pedido e partir para a versão de acrílico, o que ainda me reembolsaria 200 dólares. Não me arrependo, e perto do dia 20 de Fevereiro recebi o fone.

Acho que o uso da fibra de carbono foi uma ideia extremamente ousada, e que trouxe problemas para uma operação que já é pequena e que trabalha num ritmo acelerado. Ficou claro que a JH Audio talvez tenha ido longe demais ao tentar trabalhar com algo que claramente ainda não domina. Além disso, acho que o mais sensato a se fazer quando os problemas e os pedidos não param de crescer é interromper a aceitação de pedidos até que toda a situação esteja sob controle, mas não foi isso que a JH Audio fez. Quando clientes que já haviam pagado pelo fone há meses tentavam pedir uma estimativa de entrega para a marca, eram respondidos com uma resposta padrão que dizia, basicamente, que a marca prezava muito pelos clientes, que a fabriação do Roxanne era trabalhosa e que não era necessário entrar em contato para saber o prazo de entrega – eles seriam notificados quando o fone fosse enviado. Ou seja, é quase um “parem de encher a nossa paciência, aprendam a esperar o tempo que for”.

Vê-se que o Roxanne não possui poucos problemas. Resta saber se o desempenho sonoro vai compensar essas frustrações.

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