NOTA DE ESCLARECIMENTO:
Fiquei bastante tempo debatendo, comigo mesmo, se deveria ou não postar essa avaliação. A questão, já estragando a surpresa, é a seguinte: a Kuba está fazendo uma parceria com a AudioDream, e tanto seus fones atuais como outros, desenvolvidos futuramente, serão vendidos pela futura marca Kuba Pro – que será um braço profissional da minha marca.
Mas devo deixar algumas coisas claras: em primeiro lugar, essa parceria, ao menos no início, não trará praticamente nenhum retorno financeiro para nós, da Kuba. Em relação aos produtos atuais, atuaremos como revendedores, e qualquer diferença de preço será proveniente de custos maiores da nossa operação. O que queremos é poder oferecer produtos de altíssimo nível para o público profissional com a nossa marca e, futuramente, desenvolver produtos em conjunto com o René e o Matheus, da AudioDream.
E, segundo, sei que, por mais que eu não tenha tido absolutamente nada a ver com o desenvolvimento do AD8 (ele existia bem antes de eu o testar), avaliar um produto que em breve será oferecido pela Kuba é um conflito de interesses, mas o que posso dizer é que essa parceria teve início, justamente, após eu ouvir um AD8, ficar estarrecido com a qualidade que ele oferece e comprar um para mim. Foi essa experiência que incentivou a mim e a meus sócios de criar a Kuba Pro.
Por isso, todas as impressões que você vai ler nessa avaliação, precedem a existência da Kuba Pro.
INTRODUÇÃO
Minha relação com fones de ouvido personalizados é um pouco complicada. Já tive dois: um JH Audio JH13 Pro e um Roxanne, da mesma marca. Por mais que eu tivesse gostado muito deles – muito mesmo –, sempre tive problemas de conforto. Eles são feitos sob medida, mas há uma sensação de pressão forte que me incomoda. Para piorar, fones universais têm atingido um patamar cada vez maior de desempenho, ao ponto de ameaçar seriamente a relação custo-benefício de fones que, por natureza, têm um valor de revenda muito reduzido porque irão precisar de uma reconstrução por parte do novo dono.
Para a minha realidade financeira, eles passaram a não fazer mais sentido. Durante um bom tempo, fiquei muito feliz com os universais que tinha, sem necessariamente sentir que estava perdendo muita coisa dentro dos meus hábitos de audição
Tudo mudou quando ouvi o AD8. Trata-se do atual topo de linha da AudioDream, fabricante brasileira de intra-auriculares personalizados, sediada em São Paulo e criada por René Ramirez e Matheus Freitas. Este modelo conta com 8 armaduras balanceadas por lado, sendo 4 para graves, 2 para médios e 2 para agudos. Ele custa, atualmente, R$5.400.
ASPECTOS FÍSICOS
O AD8 é um fone personalizado clássico. Ou seja: corpo de acrílico, com opções de inserção de sua própria arte no faceplate e cabo trançado removível via conector de 2 pinos. O modelo também acompanha uma case da Pelican para transporte.
O acabamento é muito bom, e segue o ótimo padrão do que vejo de marcas internacionais – exceto por coisas mais extremas, como os fones de fibra de carbono da JH Audio ou os de madeira da linha Prestige da Noble Audio. Mas sei que eles fazem alguns projetos mais personalizados que o comum, como por exemplo faceplate de metal e inserção de cristais Swarovsky nesta mesma área. No meu AD8, escolhi colocar o logo da Kuba, e gostei muito do resultado.
Em termos de conforto, continuo tendo uma experiência semelhante à que tive com os da JH Audio: fones desse tipo simplesmente não são confortáveis para mim. Sei que sou exceção, mas não consigo me acostumar com a sensação de pressão dos in-ear custom. Por conta disso, não costumo conseguir ficar com ele nos ouvidos por mais de 1 hora. Mas, novamente: sou eu. Você provavelmente teria uma experiência muito diferente.
O SOM
Estou com meu AD8 já há algum tempo, e por isso pude me acostumar bastante com ele. Mas, sob vários aspectos, essa é uma das avaliações mais difíceis que já fiz porque não sei tão bem interpretar algumas coisas que esse AudioDream me mostra.
Eu não diria que ele é um fone sem voz, ou totalmente neutro. Já escrevi sobre isso em outras ocasiões: em minha opinião, em sistemas de reprodução, isso é totalmente utópico. A pergunta, por mais absurda que pareça, é: qual neutro você quer? Um Grado HP1000 vai te dar uma versão. Um Sennheiser HD800, outra. Já um Orpheus, uma nova, totalmente diferente. Assim como um Audez’e LCD-X. Nenhum está certo, e nenhum está errado. Mas cada um acerta em situações diferentes, de acordo com a música em questão e as suas referências.
O que posso dizer é que o AD8 está com os dois pés fincados no seleto grupo dos melhores fones de ouvido que já testei, independente do tipo e da faixa de preço, e que sua interpretação das músicas é tão realista, do seu jeito e dentro das suas limitações (como em todos os casos), quanto a de qualquer outra coisa que eu já tenha escutado até hoje.
Vamos começar pelo equilíbrio tonal. O AD8 é um fone bastante claro e aberto, com uma sonoridade forte e algo agressiva, porém relativamente leve. Não deixe as quatro armaduras balanceadas para as baixas frequências te enganarem: se há algo que esse IEM não tem, são graves excessivos.
Aqui, inclusive, talvez seja o ponto em que o AD8 mais me confunde. Explico: fico muito em dúvida se os considero mais leves ou não. Existem muitas situações em que gostaria de uma maior quantidade de graves, mas a questão é que esse fone foi feito para ser extremamente neutro e fiel – deixando a discussão sobre isso ser possível ou não de lado. E quando ouço uma gravação como a Let Me Go Crazy da Kamatos ou particularmente a No Diggity, do Campsite Dream, que são músicas eletrônicas, acho que poderia haver mais graves.
A questão é que o AD8 é tão coerente com tudo, que não sei se o que estou ouvindo é um “problema” da mixagem (ou ao menos uma intenção não tão bem executada) ou se, de fato, o AD8 poderia ter um pouco mais de graves para compensar a ausência da sensação corporal, como algumas curvas de compensação – como a da Harman – propõem. Mas quando troco para uma gravação como a de Wanderer, do trio da Hiromi Uehara, o baixo de Anthony Jackson está lá em toda a sua glória, na posição perfeita dentro do espectro. E o de Stanley Clarke, em The Rugged Truth, arriscaria dizer que eles estão até altos demais – assim como o bumbo de bateria.
Então volto à pergunta: será que ele está simplesmente mostrando o que foi gravado? Se sim, foi um erro de mixagem? Ou minhas expectativas é que estão erradas, e essa era a intenção dos artistas? Caso não, então na The Rugget Truth deveria haver ainda mais graves? Acho que, em situações como essa, esbarro nas minhas limitações como avaliador. Simplesmente não tenho conhecimento para fazer esse tipo de julgamento.
O mais próximo que eu poderia chegar de descrever a presença dos graves do AD8 é compará-lo a um par de monitores de estúdio pequenos. Os graves vão aparecer, mas em algumas situações sinto falta de uma resposta mais visceral e corporal – principalmente quando o utilizo na rua. Novamente, não sei em que medida isso é meu gosto pessoal.
Independente do que for, o que posso dizer é que eles mostram grande variação entre gravações diferentes, e em termos de extensão, textura e qualidade, não tenho nenhuma crítica. Tudo nas baixas frequências é perfeitamente audível e palpável – só gostaria, em algumas situações, de um pouco mais de peso. Não tenho nenhum fone com grandes pretensões em termos de neutralidade atualmente, mas fora exceções como o VE Monk, em minha coleção o AD8 é o que tem menos presença nas baixas frequências. Por isso, existem situações em que estou ouvindo músicas eletrônicas, ou algo mais pesado, como Opeth, e fico querendo mais atividade nessa região – o que tornaria a sonoridade menos seca, mais autoritária e traria a “porrada” que esses gêneros pedem.
Mas, novamente: é bem possível que ele esteja certo.
Nos médios e nos agudos, ouço uma personalidade muito aberta. É como se houvesse uma região do espectro que é “desabrochada”, e traz uma quantidade impressionante de informações e que permite que você entre na música e ouça uma quantidade assombrosa de coisas que nunca ouviu.
Isso não quer dizer que ele não seja natural – muito pelo contrário. Apesar de entender os que considerarem os agudos um pouco para a frente, essa não é minha opinião. Para os meus ouvidos, eles têm a posição perfeita dentro do espectro – ao menos se o que você busca é uma naturalidade mais viva ao invés de sedosa. Pense em um Sennheiser HD600, ao invés de um HD650. Eles são incrivelmente articulados e timbristicamente corretos. Nada de agressividade à la HD800 por aqui.
Por exemplo, na Hyperborean, do Arild Andersen, o dedilhado e o brilho das cordas de seu contrabaixo é muito aparente, e torna a imagem pintada desse instrumento absurdamente realista. E o chimbal da bateria, um pouco atrás e à direita do baixo, tem a “mordida” perfeita. É aquele som do metal no metal, duro. E, aqui, crível.
Os médios são excepcionalmente naturais e lineares, mas em algumas situações, podem acabar soando um pouco agressivos, por serem muito abertos. Só que essa abertura faz com que AD8 tenha uma habilidade estarrecedora para recuperar detalhes. Sei que, em partes, isso se deve ao isolamento fortíssimo proporcionado por um fone custom – mas, aqui, pela primeira vez, me pego notando erros ou deslizes em gravações. Por exemplo, na Seigfried, do Frank Ocean, é possível ouvir claramente um metrônomo no ouvido esquerdo; e tanto na 13 Beaches da Lana Del Rey quanto na Hey Now do London Grammar é possível ouvir o ruído de fundo presente nos trechos com voz, que surge logo antes e morre logo depois das seções cantadas.
É possível que, agora que estou mencionando, você ouça isso com outros fones, mas a questão é o quanto esses pequenos detalhes tornam-se audíveis no AD8. Pela primeira vez, eles chamam a atenção. O que é, evidentemente, uma faca de dois gumes. Eu não necessariamente quero que as falhas de músicas que amo fiquem chamando atenção. O metrônomo da Seigfried, por exemplo, acaba incomodando.
O resultado de tudo isso é que o AD8 acaba sendo muito intolerante a gravações não tão boas – o excelente álbum Atlas, do Baleia, em alguns momentos soa como uma grande bagunça. E a Our Way, do FTampa feat. Kamatos, traz agudos muito perfurantes – e, veja, a tentação muitas vezes é culpar o fone, porque em diversas situações ele pode sim ser o culpado. Essa mesma Our Way, com o KZ ZS5, é insuportável. Só que no caso desse chinês, isso se dá porque de fato há um pico nos agudos no fone, perceptível em quase qualquer gravação, que coincide com o que está na mixagem. Então um pequeno problema no fone se junta com um pequeno problema na música e temos aí o surgimento de um grande problema. Com o AD8, não ouço nenhuma região com atividade em excesso. O fato de os agudos soarem corretos com a vasta maioria das músicas evidencia que, em casos como o que estou discutindo, ele só está te mostrando o que está errado na gravação. E definitivamente não perdoa. Então, se você quiser uma verdadeira lupa em suas músicas, não consigo pensar em nada mais eficaz. Se está na gravação, você vai ouvir. Simples assim.
Arriscaria dizer que o AD8 é o fone mais transparente que já ouvi. Só não posso afirmar com certeza porque há três outros que permanecem em minha memória como sendo absurdamente detalhados – um Stax da linha Lambda (não me lembro o modelo) e os Sennheiser HE90 e HE1 – ainda que, com eles, não me lembre de escutar tantas novidades em gravações que conheço bem. Infelizmente não pude compará-los lado a lado para confirmar, mas o mero fato de eu estar colocando o AudioDream junto a estes fones, ainda que de memória, já é muito impressionante.
O que também parece ser um efeito da junção desse detalhamento e transparência com o isolamento são as capacidades espaciais do AD8 com boas gravações. De certa forma, é aqui que tudo se junta e faz sentido. Sei que já disse que palco sonoro em fones de ouvido é algo superestimado, e minha posição não mudou. Mas, aqui, é simplesmente chocante como é possível enxergar perfeitamente a ambiência das gravações, com posições incrivelmente definidas de cada instrumento… cada camada, cada espaço, cada posição, são absolutamente claros.
A renderização da Chacarera, da Esperanza Spalding, está certamente entre as mais impressionantes que já escutei em um fone – à frente de basicamente qualquer coisa que eu já tenha escutado, fora os Sennheisers HE90 e HE-1. HD800, HD600, Grado HP1000… para os meus ouvidos, todo mundo fica para trás. É uma pintura perfeita da performance dos artistas.
Mas o melhor é a voz. Posso afirmar que nunca ouvi, no mundo dos fones de ouvido, uma imagem central de voz tão bem definida. A posição de destaque dos vocais em relação à instrumentação é evidente, com muito corpo e tridimensionalidade. Elas parecem simplesmente “saltar” da instrumentação, pertencendo a uma camada completamente diferente. O cover de Enjoy the Silence da Carla Bruni beira o inacreditável. Em volumes mais altos, é como se quase pudéssemos pegar em sua voz.
Entretanto, há um limite. Ainda estou falando de um intra-auricular, e por isso, o tipo de imagem que ele projeta é muito diferente do que tenho com, digamos, um Sennheiser HD800. É uma espacialidade menor, de certa forma ainda concentrada dentro da sua cabeça. Só que, apesar de pequena, essa imagem parece ser uma projeção simplesmente perfeita do evento original. Então é uma mistura de um elogio com uma crítica, ainda que essa crítica não seja direcionada ao AD8 – e sim a intra-auriculares em geral, que apresentam essa limitação por natureza.
CONCLUSÕES
Com o AD8, em diversos aspectos, sinto que estou ouvindo o teto do que é possível com um intra-auricular. Sei que esse provavelmente não é o caso – existem modelos ainda mais sofisticados no mercado, de outras fabricantes, e tenho certeza de que o Rene e o Matheus eventualmente vão desenvolver algo ainda mais sofisticado –, mas o fato é que ele é consideravelmente melhor do que tudo o que já ouvi no mundo dos IEMs.
Como comentei, até tenho algumas reservas com relação à musicalidade do seu equilíbrio tonal. Ele deixa claro que não embeleza nada – e, para muitos, isso não é desejável. Foi por isso que a Sennheiser fez o HD650 depois do HD600. Assim como este último, ele pode apresentar uma sonoridade um pouco mais seca e agressiva, mas ao mesmo tempo, acredito que isso contribua com suas proezas absurdas em termos de detalhamento e espacialidade. E são essas características que contribuem para que sua apresentação seja tão absurda.
É um pouco como um Sennheiser HD800 ou um par de Yamahas NS10: o AD8 é impiedoso, e escancara tanto o que está nas gravações (independente das discussões sobre isso ser o que chamaríamos de “neutro” ou não) que, em muitas situações, você simplesmente não quer ouvir. Cansa.
Mas, quando tudo está certo, ele canta. Possibilita o vislumbre das suas músicas como você nunca viu, e cria uma representação assustadoramente realista da performance musical.
E isso torna o AD8, facilmente, um dos melhores fones que já ouvi na vida.
AudioDream AD8 – R$5.400
- Intra-auricular personalizado
- 8 armaduras balanceadas por lado: 4 para graves, 2 para médios e 2 para agudos
- Sensibilidade (1 mW): N/I
- Impedância (1kHz): N/I
- Resposta de Frequências: N/I
Equipamentos Associados:
HP Spectre x360 15” 2017, Benchmark DAC1 PRE, xDuoo XD-05, Auglamour GR-1, Colorfly C10, Samsung Galaxy S8+, Samsung Galaxy S9+