Verdades e Mitos Sobre o Mundo dos Fones

• MP3 é uma porcaria

Verdade ou mito? Mito.

A verdade é que, para a esmagadora maioria das pessoas, um mp3 a 320kbps bem codificado será basicamente indistinguível de um arquivo lossless ou de alta resolução. Eu, por exemplo, não ouço diferença entre qualquer coisa acima disso, tanto em meu sistema de fones quanto no de caixas – e apesar de não negar a possibilidade de algumas pessoas ouvirem, tenho confiança de que muitos daqueles que afirmam ouvir falhariam com gosto num teste cego. Ou, no mínimo, vão passar uma boa dificuldade.

Muitas vezes, as diferenças ouvidas podem ser explicadas por conversões ruins, pelo efeito placebo ou, no caso de diversos arquivos de alta resolução, por masterizações diferentes – isso sim pode ser responsável por diferenças drásticas entre gravações. Quer fazer um teste e ver a diferença entre um mp3 a 320kbps e um lossless na prática? Nesse link há 5 músicas, cada uma com três versões, A, B e C: apesar de todas estarem em WAVE, ao menos uma foi convertida a partir de um arquivo lossless (ou seja, não tem perdas), ao menos uma veio de um mp3 a 320kbps (sendo portanto comprimida) e a terceira versão é uma cópia extra ou do lossless ou do mp3. É aleatório. Ouça e, se quiser, mande sua tentativa para o meu e-mail (mindtheheadphone@gmail.com), dizendo, de cada versão de cada música (A, B e C), qual é lossless e qual é mp3. Mando a resposta e a análise de frequência temporal de cada versão para que você veja o que a compressão para mp3 a 320kbps realmente faz. Só tenha em mente que para ser considerado um acerto, é necessário acertar as três versões (A, B e C) de cada música. Caso contrário, a sorte ainda resta como explicação mais plausível – afinal, em cada tentativa você tem 50% de chance de acerto. O teste foi pensado justamente para tentar isolar a sorte da situação. Se você realmente conseguir distinguir as diferenças, então acertar as três versões da mesma música não será difícil.

 

• Não vale a pena comprar o equipamento X para ouvir mp3

Verdade ou mito? Mito.

Como disse acima, um mp3 bem codificado a 320kbps pode muito bem ser mais do que suficiente para fornecer uma qualidade de som fantástica. É o formato que mais uso atualmente com todos os meus fones (Sennheiser HD800 e HD600, Grado HP1000, Audio-Technica W3000ANV, JH Audio Roxanne e Xtreme Ears Xtreme ONE) e também no sistema de caixas de som (Jamo R907, Bel Canto REF1000s, Musical Fidelity M6PRE e Electrocompaniet ECD-1), sem a menor sensação de estar perdendo alguma coisa e sem nenhuma vergonha de dizer.

Então, se alguém te disser que não vale a pena comprar o equipamento X para ouvir mp3… ignore.

 

• Um fone com maior resposta de frequência é melhor que outro

Verdade ou mito? O maior mito da lista.

Especificações, na prática, não querem dizer basicamente nada, como comentei nesse artigo. E a resposta de frequência talvez seja a mais inútil delas: os fabricantes a medem com tolerâncias totalmente diferentes, então no final das contas, não seria muito diferente de tirar números de um chapéu.

E mesmo se ela fosse indicada acuradamente, a extensão nos extremos não quer dizer muita coisa – como é essa resposta, entre esses extremos (o que pode ser visto por meio de um gráfico de resposta de frequência, uma especificação muito raramente divulgada), é que é o pulo do gato. Se há uma especificação que pode ser total e completamente ignorada em fones de ouvido, é essa.

 

• Um fone com maior impedância é melhor que outro

Verdade ou mito? Mito.

Em teoria, impedância mais alta pode trazer sim alguns benefícios, mas na prática isso só será relevante se estivermos comparando dois fones iguais que tenham impedâncias diferentes, como no caso de alguns fones da Beyerdynamic que podem vir em versões de 32, 250 e 600 ohms. Em qualquer outro caso, será um fator basicamente irrelevante em termos de qualidade, e só merece atenção porque fones com impedância mais alta (acima de, digamos, 100 ohms) podem ser mais exigentes em termos de amplificação; e fones com impedâncias mais baixas não serão um pareamento ideal para um tipo específico de amplificadores valvulados, os OTL (output transformerless).

De toda forma, o importante é que impedância maior ou menor é uma característica que, no máximo, irá determinar se um fone específico será mais ou menos indicado em algum caso – e nunca que ele é melhor ou pior que outro.

 

• Burn-in vai melhorar muito o seu fone

Verdade ou mito? Mito.

Esse é um tema muito controverso. Já escrevi sobre o assunto em duas ocasiões (aqui e aqui), sendo que na última cheguei inclusive a fazer um teste. E o resumo é o seguinte: talvez o amaciamento de fato exista, mas é algo muito diferente do relato da maioria dos hobbistas – certamente não estamos falando de diferenças significativas e audíveis após 300 horas. Simplesmente não temos uma memória auditiva boa o suficiente para fazer esse tipo de julgamento.

Mesmo que existam alterações, elas serão risíveis diante da sua mudança de percepção com relação à nova sonoridade. Isso sim poderá mudar bastante e será responsável pelas diferenças que você poderá ouvir entre o fone com 0 e com 150 horas. Portanto, ao comprar um fone novo, não se preocupe com o burn-in. Ouça-o normalmente: se não gostar dele venda, e se gostar, aproveite!

 

• Headphones são melhores que earphones

Verdade ou mito? Depende.

Earphones (in-ears, principalmente) melhoraram muito nos últimos anos, e sob diversos aspectos que dizem respeito à qualidade de som eles podem se equiparar e até superar headphones de faixas de preço equivalentes. No entanto, se headphones já são uma forma artificial de ouvir música, devido ao posicionamento dos drivers, a situação ainda é pior com os earphones. Por isso, em minha opinião os earphones, por melhores que sejam, ainda são menos realistas que os melhores headphones.

 

• Equipamentos mais caros são sempre melhores

Verdade ou mito? Mito.

O desempenho de um fone de ouvido é composto por inúmeros fatores, mesmo considerando a qualidade de som: extensão, timbre, impacto nos graves, textura, detalhamento, transparência, palco sonoro, recorte, linearidade, e por aí vai. Não conheço nenhum fone que seja perfeito em todos esses aspectos – alguns são melhores nuns, outros em outros. E um fone pode ser superior a outro em algumas dessas características, porém pior em outras. E pessoas diferentes vão priorizar características diferentes. Portanto, passar de um fone para outro pode ser um upgrade para alguns mas não para outros. Nesse hobby, o gosto pessoal é de suma importância.

É como vejo, por exemplo, o HD800 comparado ao HD600. Sob uma ótica puramente técnica, o HD800 é evidentemente superior ao HD600. Só que, para os meus ouvidos, o HD600 é melhor justamente naquilo que mais valorizo: o equilíbrio tonal. Por esse motivo, tenho os dois fones e, se tivesse que escolher entre eles, ficaria com o HD600 sem pensar duas vezes.

No caso de amplificadores e DACs, isso é mais mito ainda. Existem muitos equipamentos mal projetados no mercado sendo vendidos a preço de ouro (não vou citar nomes, mas existem muitos casos famosos), porque essa indústria permite – e até certo ponto fomenta – esse tipo de coisa. E mesmo se estivermos considerando bons equipamentos, com muita frequência a diferença entre equipamentos vistos como medianos e os ditos “high-end” são muito menores do que os muitos relatos que lemos por aí nos fazem crer. A verdade é que não é caro montar um sistema extremamente competente.

 

• Amplificadores e DACs dedicados fazem uma diferença enorme

Verdade ou mito? Em muitos casos, mito.

Vejo esse como um problema endêmico no hobby: a diferença trazida por amplificadores e DACs e a diferença entre amplificadores e DACs diferentes é, em minha opinião, colocada totalmente fora de proporção com uma frequência alarmante pelos hobbistas.

Esses equipamentos podem sim ser importantes e em vários casos até mesmo necessários, mas muito raramente trazem uma diferença como de noite/dia como lemos frequentemente. Devemos ler muito do que está dito por aí não só com um grão de sal, mas com uma colher inteira. Na vasta maioria dos casos, as diferenças envolvidas são, no máximo, sutis.

 

• Conjuntos de DAC e amplificador são melhores que placas de som

Verdade ou mito? Verdade.

Uma placa de som é construída sob uma série de comprometimentos que não afetam a construção de um amplificador e um DAC externos. Por isso, se você tiver a opção, prefira a segunda alternativa.

 

• X% do orçamento dedicado à construção do seu sistema deve ser destinado a cabos sofisticados

Verdade ou mito? Mito.

Bons cabos são aqueles que não interferem no sinal que carregam, e isso não é nem difícil e nem caro de se conseguir. Cabos esotéricos não tem nenhum motivo para custar o que muitas vezes custam – frequentemente, são apenas desenvolvidos para atuarem como equalizadores passivos, exercendo um efeito que poderia ser atingido com soluções muito mais baratas. Um cabo bem construído, com boa blindagem, bons conectores e impedância baixa (a menos que seja um coaxial de 75 ohms), como os Belden ou Canare já são mais do que o suficiente.

 

• O fone X vai precisar de um amplificador

Verdade ou mito? Pode ser verdade.

Alguns fones (como aqueles com sensibilidade baixa e/ou impedância alta ou os planar-magnéticos, que costumam precisar de um amplificador com boa oscilação de tensão) podem sim ser especialmente exigentes em termos de amplificação, precisando de mais do que a saída de um celular ou de um notebook pode oferecer. Exemplos são AKG K1000, HiFiMAN HE-6, Sennheiser HD800 e Audez’e LCD-3.

Mas veja que essa necessidade muitas vezes é exagerada, e não é incomum ver hobbistas dizendo por aí que um Audio-Technica M50 ou algo parecido irá precisar de amplificação dedicada, o que não é o caso.

 

• Amplificadores valvulados são melhores

Verdade ou mito? Mito.

Amplificadores valvulados apresentam simplesmente uma tecnologia diferente daquela vista em amplificadores transistorizados (estado sólido), e não há como dizer categoricamente que um tipo é melhor que outro. Mesmo dentro de cada uma dessas tecnologias, há diversas topologias diferentes, cada uma com suas características sonoras.

E a característica que costuma diferenciar amplificadores valvulados dos estado sólido é uma personalidade mais calorosa, eufônica e melodiosa. Os transistorizados, em contrapartida, costumam ser mais transparentes e autoritários. No entanto, essa constatação está mais para uma observação superficial do mercado do que para uma regra – essas características parecem estar mais relacionadas à topologia do amplificador e como suas tecnologias foram implementadas do que às tecnologias em si. Já pude ouvir amplificadores estado sólido extremamente melodiosos e também já ouvi valvulados agressivos e deselegantes.

Resumindo, não dá para dizer que um tipo é melhor que outro, tanto porque cada caso é um caso quanto porque as características de cada tipo podem ser mais ou menos bem vindas em circunstâncias diferentes.

 

• Vinil é o melhor formato de áudio

Verdade ou mito? Mito.

Esqueça o gráfico da escadinha comumente associado a áudio digital – na prática ele não existe, o que existe é uma série de pontos. Desde que o Teorema de Nyquist-Shannon seja observado, a amostragem e reconstrução de um sinal analógico será virtualmente perfeita durante a conversão digital-analógica. A partir dos pontos de dados da amostragem, o conversor só terá uma única solução matemática para reconstruir o sinal dentro do limite audível por um ser humano, e essa solução é o sinal analógico original. Ao contrário do que muitos pensam, não há perda de informação em relação a um vinil.

Essa é uma discussão longa, que abordarei num outro momento, mas resumindo, em termos puramente objetivos, o vinil fica atrás do CD. A resposta nos extremos frequentemente deve ser reduzida, a faixa dinâmica na prática é menor, há rápida degradação, contaminação por vibrações externas e o curioso fato de que as primeiras faixas têm qualidade maior do que as últimas, porque nestas a agulha tem que percorrer os sulcos muito mais rapidamente.

No entanto, não estou dizendo que o vinil é ruim – longe disso. Mais uma vez, estamos diante de um caso em que a subjetividade é quem dá a última palavra. No final das contas, objetivamente e mensuravelmente melhor nem sempre quer dizer subjetivamente melhor. O que ocorre é que todas as imperfeições que citei do vinil muitas vezes trazem distorções que são vistas como prazerosas pelas pessoas. A carência de extensão nos agudos e alguns tipos de distorção analógica são frequentemente interpretados por ouvintes como calor, algo que pode ser muito agradável e, ironicamente, talvez mais próximo de uma performance ao vivo. Além disso, a menor faixa dinâmica de um vinil, o que em princípio é uma desvantagem, acaba trabalhando a seu favor porque não permite os níveis grosseiros de compressão dinâmica frequentemente utilizados em CDs na famosa Loudness War, algo fortemente prejudicial à qualidade de som.

Por isso, você pode muito bem preferir o vinil como formato de áudio, e achar que o resultado final é mais fidedigno. Mas tenha em mente que isso não ocorre exatamente porque ele é um formato superior – objetivamente, ele não é.

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