INTRODUÇÃO
Há um mês atrás, recebi uma notícia triste: meu mais fiel companheiro nas minhas aventuras audiófilas finalmente se aposentou.
O Apple iPod Classic é a versão mais nova do primeiro iPod, que foi lançado em 2001 e ajudou a mudar drasticamente a relação das pessoas com a música – para o bem e para o mal. Apesar das muitas melhorias, a forma básica do aparelho, que pode ser considerada um marco na história do design de produtos, se manteve a mesma. Mas enquanto seu antecessor tinha apenas 5 ou 10Gb de memória e uma tela monocromática, o Classic é bem mais fino, tem 160Gb de memória em sua última versão – durante sua história houve versões com inúmeras capacidades, mas sempre grandes para a época –, e uma tela colorida que pode tocar vídeos.
O problema é que players atuais evoluíram muito mais do que isso. Dentro da própria linha da Apple, vimos o pequeno iPod Nano, o minúsculo Shuffle e, é claro, o iPod Touch, que junto com o iPhone trouxe o revolucionário iOS, sistema operacional altamente sofisticado em sua época de lançamento e que também mudou drasticamente o mundo dos smartphones. O Classic passou a ser, aos poucos, um dinossauro que tinha como únicos argumentos de venda a enorme capacidade de armazenamento, a duração da bateria e a simplicidade de uso.
Só que, de acordo com a minha percepção, esses argumentos são justamente alguns dos quais audiófilos e amantes de música mais apreciam. No entanto, o público audiófilo aos poucos começou a ter mais opções que prometiam melhorias numa outra área de suma importância, a qualidade de som, como os tocadores da HiFiMAN, da iBasso e da Astell & Kern. Para muitos ouvintes, esses produtos oferecem uma qualidade de reprodução de fato maior.
Sempre bato nessa tecla quando avalio players high-end, como fiz com o Calyx M, mas a questão é que para os audiófilos a qualidade de som é sim um fator muito importante, só que a qualidade geral de um tocador é determinada por um conjunto de fatores. Eu nunca consegui abandonar o iPod Classic a favor de um tocador high-end mais moderno pelo simples fato de o pequeno incremento na qualidade de som não ser suficiente para compensar a superioridade do aparelho da Apple nas muitas outras frentes importantes: bateria, interface, tamanho, conveniência e facilidade de uso.
Essas são as questões que fizeram com que o iPod Classic estivesse comigo literalmente desde o início da minha jornada audiófila, quando ele ainda se chamava iPod Video.
ASPECTOS FÍSICOS E FUNCIONALIDADE
Acho que não preciso falar tanto aqui, porque o iPod Classic é um velho conhecido da maioria. É um tocador relativamente compacto – não é mais tão pequeno quanto alguns dos minúsculos players atuais e nem tão grande quanto a maioria dos audiófilos – e que segue a filosofia da Apple do minimalismo funcional e estético.
Na parte da frente, de metal prateado ou preto, há apenas uma tela e a agora aposentada clickwheel. Não vou gastar tempo explicando como ela funciona, porque acho que todos aqui devem saber. O que posso dizer é que além de ser muito simples e assustadoramente efetiva, o controle é muito preciso. Não sinto a mesma sensação de precisão ao ajustar o volume numa touchscreen, por exemplo. Acima, há apenas a saída de fones e o botão hold e, abaixo, o conector padrão Apple.
Usar o iPod Classic é uma experiência de conveniência imbatível, e quando levamos em conta seu formato físico muito bem julgado, ficam claros os motivos pelos quais a marca da maçã é venerada por designers (como eu). Tudo é simples, fácil, intuitivo e eficiente. Como consequência, pode-se dizer que o iPod Classic se tornou o arquétipo de um tocador portátil. A única ressalva fica com relação à parte de trás do aparelho: ela é de um metal cromado que risca com uma facilidade ímpar. É basicamente impossível manter o iPod com aparência de novo por mais de uma semana.
Em termos de interface, mais uma vez o que me vem à cabeça é simplicidade e eficiência. É possível navegar pelo conteúdo do player de acordo com diferentes classificações e criar playlists no próprio aparelho. Em algumas das situações em que avaliei alguns players high-end mencionei que eles não têm muitas funções de maneira pejorativa, e pode parecer irônico eu dizer que no iPod isso é algo bom – a diferença é a maneira com a qual, nesse último, isso é feito de forma extremamente elegante, simples e intuitiva. Nada trava, tudo é rápido e não existem deslizes. Aqui, parece que a simplicidade é uma intenção, e não uma restrição. Por mais que eu tenha gostado do Sony NW-ZX1 (que roda Android) e que eu use o Spotify, não tenho como negar que no dia-a-dia acho que aprecio ainda mais a experiência minimalista de usar o iPod Classic. Os aplicativos e funções extra ficam a cargo do meu celular, que está sempre comigo – não há por que o player fazer a mesma coisa.
Até existem outras funções, como relógio, calendário, contatos, alarmes (apesar de ele não ter alto-falante interno), três jogos, notas e cronômetro, mas acredito que elas não façam diferença para ninguém.
Agora, vamos ao elefante na sala: iTunes. Canso de ler reclamações sobre o fato de o iPod te obrigar a usar esse software ao invés de um sistema drag-n-drop por exemplo, e entendo perfeitamente essa posição, principalmente vindas de pessoas que usam Windows – sistema para o qual o iTunes não é exatamente otimizado, e como consequência acaba sendo lento e pesado. Mas uso Mac e sou um pouco fanático por organização, então acho que o iTunes, com alguma dose de paciência e uma atitude metódica, se torna uma ferramenta perfeita para isso.
Hoje, praticamente toda a minha biblioteca de músicas está em mp3 a 320kbps ou ALAC (os FLACs que eu tinha foram convertidos para esses formatos, apesar de eu ter backup de algumas coisas nos formatos originais) e é completamente gerenciada pelo iTunes, o que para mim é perfeito. Tudo é organizado corretamente em artistas e álbuns, e tenho a arte de capa de toda a coleção. O iTunes faz com que organizar tudo isso seja muito fácil e rápido, e usar não é diferente. Coloco o programa maximizado num dos workspaces do OSX e navego por uma biblioteca totalmente visual de todos os meus álbuns.
Além disso, o software está configurado para organizar sozinho os arquivos em sua biblioteca, ou seja, para adicionar um arquivo a ela, basta abrí-lo com o iTunes que ele é não só adicionado à biblioteca automaticamente, mas também copiado para a pasta do programa, já organizado em pastas por artista e então álbum. Se houver alguma modificação, ela também acontece nas pastas. Depois, basta deletar o arquivo original.
O iPod, no meu sistema, é sincronizado com o iTunes, o que significa que, cada vez que eu o conecto ao computador, as novas músicas são automaticamente transferidas, as que foram deletadas são excluídas e, se houver qualquer modificação nas informações de alguma faixa, elas também são alteradas no player. Consequentemente, tenho apenas uma única biblioteca, tanto no computador quanto no DAP. Para adicionar alguma coisa, basta arrastar para o iTunes – ela entra tanto lá quanto no iPod. Para excluir, a mesma coisa. Agora me diga: quanto tempo levaria, e quanto trabalho me daria para fazer a mesma coisa, com um resultado final tão visual, funcional, eficiente e simples usando um sistema drag-n-drop? E isso sem contar que o iTunes é também uma loja, que apesar de estar por enquanto restrita ao mp3 a 256kbps, tem basicamente qualquer coisa e os preços são muito bons.
Os dois únicos problemas são que o iPod possui “apenas” 160Gb, então chega um momento em que eu preciso selecionar o que desejo manter, e o fato de o iTunes não aceitar o FLAC, formato tradicional no círculo audiófilo. Até existem modificações para que ele leia esse formato, mas não gosto muito da ideia de interferir num ecossistema tão fluido e bem resolvido. Então, quando tenho algo nesse formato, faço um backup e converto para ALAC. É o único trabalho que tenho.
O SOM
Todo o alarde em cima de tocadores high-end provavelmente faz com que as pessoas achem que os iPods são ruins no quesito qualidade de som. Mas, em minha opinião, isso está longe de ser verdade. O iPod Video, o de 5ª geração, por exemplo, tinha um sofisticado DAC Wolfson, mas infelizmente a seção de amplificação não exatamente acompanhava – o que estava longe de querer dizer, porém, que o resultado final era ruim. Inclusive, a Red Wine Audio realizada uma modificação nesse aparelho para que o line-out fosse uma extração pura do sinal logo após a conversão. do O iPod Classic usa um conversor da Cirrus Logic e também é muito competente em termos de qualidade de som.
Em primeiro lugar, algo que a Apple sempre fez muito bem foi projetar players com um silêncio de fundo exemplar. Nunca ouvi nenhum aparelho da marca com qualquer resquício de ruído de fundo que fosse, algo que encontrei tanto no Sony NW-ZX1 em pequenas quantidades quanto no ALO Audio RX MKIII-B que tive, no qual ele era presente a ponto de atrapalhar as audições. Plugar fones de ouvido nos players da Apple é sempre uma experiência livre de ruídos.
O Classic é muito bom em termos de qualidade de som, podendo se sentir em casa com in-ears extremamente sofisticados. Como eu disse, o iPod precede minhas aventuras audiófilas – quando dei meu primeiro mergulho de verdade na audiofilia, com o Shure SE530, ele já estava lá. Depois vieram Sennheiser IE8, JH Audio JH13 Pro e JH Audio Roxanne, e ele sempre se sentiu em casa. O Shure SE846 que avaliei recentemente é meio que uma exceção, por não se dar muito bem com ele, mas isso se deve a uma característica incomum de impedância do fone.
Isso não quer dizer, porém, que ele esteja no nível de um bom sistema de mesa ou de um tocador portátil high-end dos melhores, por exemplo. Quando comparado diretamente ao meu sistema de referecia, composto pelo HeadAmp GS-X e o Yulong D100, os pequenos defeitos começam a aparecer. Com o JH Audio Roxanne, o iPod me soa consideravelmente mais escuro, com menos presença nos agudos e, principalmente, é mais congestionado e tem uma sonoridade comparativamente mais magra. O set de mesa apresenta um incremento considerável em definição, transparência, corpo, controle e autoridade. Em compensação, usando apenas o Yulong D100 como DAC e amplificador, as diferenças diminuem bastante. Nessa situação, o iPod se segura surpreendentemente bem.
Em comparação aos DAPs high-end a diferença passa a ser bem pequena, mas perceptível em audições mais concentradas. Com relação ao Calyx M, no entanto, ela é um pouco maior e entra no que eu chamaria de significativa, principalmente em termos de autoridade, precisão espacial e ambiência. O iPod soa mais achatado, indefinido e opaco. Mas nada que desmereça as habilidades do iPod, que ainda fica objetivamente muito próximo dos seus concorrentes mais pretensiosos.
As coisas começam a ficar um pouco complicadas com fones mais exigentes. O iPod não é bem uma usina de força; o próprio iPhone 4 e o 4S, por exemplo, parecem ter muito mais potência de saída. Como consequência, o Classic é mais apropriado para in-ears ou, no máximo, circunaurais e supra-aurais sensíveis, projetados principalmente para uso portátil. Ele consegue levar decentemente no máximo fones profissionais como Audio-Technica M50 e Sennheiser HD 25-1 II. Algo como um Sennheiser HD598 ou HD600 já ficam um pouco no limite. É aqui que os players high-end costumam sair bem na frente, mas devemos lembrar que o iPod não foi feito para ser usado com esses tipos de fones.
Outra questão é que ele não é muito flexível em termos de arquivos suportados. Por exemplo, FLAC não é uma possibilidade, assim como arquivos de alta resolução e muito menos DSD. Para mim isso não é problema, visto que não sou fã desse tipo de arquivo, mas sei que muitos hobbistas gostam. Outra questão é que, ao contrário de vários DAPs high-end, ele não pode funcionar como DAC ou amplificador de um computador, por exemplo. Mas vejam, estou apenas mencionando essas questões, que estão longe de serem defeitos – afinal, não são bem uma necessidade da maior parte do público desse aparelho da Apple.
CONCLUSÕES
Como eu já disse algumas vezes, um player não é feito somente de qualidade de som. E em termos de bateria, interface, simplicidade de uso e conveniência, o iPod Classic é com muita toda um dos melhores tocadores portáteis que já agraciaram o mercado.
Já tive HiFiMAN HM-801, iBasso DX100, Sony ZX1, FiiO X5 e Astell & Kern AK100 II. Mas nenhum desses conseguiu tirar o posto do meu iPod Classic. Acho que não preciso dizer mais nada.
Esse é meu tributo ao meu maior companheiro em minhas aventuras audiófilas, que finalmente se aposentou.
iPod Classic – fora de produção (MSRP R$1.099)
- Capacidade: 160Gb
- Bateria: 36 horas
- Dimensões: 61.8 x 103.5 x 10.5mm
- Peso: 140g
- Formatos de áudio suportados: AAC (8 to 320 Kbps), AAC Protegido (da iTunes Store), MP3 (8 a 320 Kbps), MP3 VBR, Apple Lossless, AIFF, and WAV
- Tela: 2.5″ LCD, 320×240
Equipamentos Relacionados
Basicamente todos os fones que já testei foram usados também com o iPod Classic. Ver essa lista.