INTRODUÇÃO
Em minha opinião, não há dúvidas: o antigo HiFiMAN HM-801 abriu as portas para uma nova categoria, a de players high-end. A quantidade de novos entrantes nesse jogo é impressionante: parece que a cada mês um DAP novo aparece. E boa parte deles vem da China, de marcas obscuras que aparecem e logo vão embora sem deixar nenhuma marca – são poucas as que conseguem sair desse limbo.
Mas uma das que saiu é a Lotoo, com seu PAW Gold, que conseguiu relativa fama no Head-fi por, aparentemente, conseguir brigar com os melhores DAPs disponíveis no mercado. Uma questão interessante é que a Lotoo não é uma fabricante tão obscura assim – ela produz diversos equipamentos para gravação e é uma OEM (original equipment manufacturer) para a sofisticadíssima marca suíça Nagra.
O PAW Gold é seu aparelho mais sofisticado: um DAP de aproximadamente 1.600 dólares. É o que tenho para avaliação aqui.
ASPECTOS FÍSICOS E FUNCIONALIDADES
A embalagem – e a experiência de abrí-la – faz com que os 1.600 dólares sejam um pouco mais palatáveis. É bastante luxuosa, e compõe um evento. Mas não há exatamente uma fartura de acessórios: apenas uma bolsa de tecido para transporte e um cabo USB 3.0, além dos manuais.
Já o PAW Gold em si é um player com um formato bastante antiquado – se eu o visse e não soubesse o que era, diria que é um aparelho da década de 90 – e se soubesse que é um mp3 player, provavelmente acharia que é do início dos anos 2000. Apenas o logotipo do formato queridinho dos audiófilos atualmente, DSD, dá um indicativo de que se trata de um DAP moderno.
Pelas fotos, ele aparenta ser maior do que é – o Lotoo é relativamente compacto, apesar de ser grosso e consideravelmente pesado. No entanto, esse peso se dá pela construção quase inteiramente em metal. Definitivamente não é o equipamento mais bonito que já vi, mas é muitíssimo bem construído e transmite solidez e segurança.
Na parte da frente há a tela – de 1.8 polegadas, que é colorida mas possui baixíssima resolução, apenas 160×128 – protegida por um vidro de safira; o botão circular de navegação (que é de fato folheado a ouro 24K); o de ligar e desligar; e os que comandam outras funções triviais, como File, List, Setup, ATE/PMEQ (Acoustic Timbre Embellisher e Equalizador) e Function, que possui função configurável. Na parte superior do player podemos encontrar o switch de ganho, com duas posições, a função Hold, a saída de fones, o Line Out (que pode ter saída fixa ou variável) e o botão de volume, que possui um peso bastante agradável. Do lado esquerdo há uma entrada USB 3.0 e a DC 12V/1A para carregamento – sim, ele não é carregado via USB, o que em minha opinião é um inconveniente. Na parte de baixo, há somente a entrada para cartões SDHC e SDXC, uma boa escolha por parte da empresa. Atualmente, esse formato está disponível com capacidades até 512Gb, mas em tese o PAW Gold suporta até 2TB – ou seja, muito além do atual limite de 200Gb dos cartões microSD.
O sistema operacional do Lotoo se chama Infomedia, e é bem primitivo em termos de interface e navegação porém cumpre seu papel. Parece algo da década de 90, mas sinceramente, é rápido, simples e relativamente intuitivo. Não demorei para me acostumar a ele, e minhas únicas reclamações ficam por conta da rudimentaridade da navegação – se você tiver muitos arquivos, pode ser um pouco chato, apesar de o sistema ser extremamente rápido para atualizar o banco de dados – e do equalizador paramétrico (PMEQ), que não possui qualquer interface gráfica. Por isso, não é nem um pouco fácil ou intuitivo mexer com ele.
Dito isso, ele merece aplausos porque fornece um nível impressionante de controle: existem quatro filtros, e em cada um é possível escolher a frequência central exata, o ganho (até ±10dB), o tipo de filtro (LPF, low pass filter; LSF, low shelf filter; HSF, high shelf filter; e HPF, high pass filter), e o valor Q da frequência central.
Existem algumas outras funções bem interessantes no sistema, como por exemplo uma seção que dá conselhos específicos sobre como se comportar com relação à bateria naquele momento – ou seja, se é melhor carregar normalmente ou se está na hora de realizar um ciclo completo –, teste de velocidade do cartão SD e a possibilidade de controlar a saída do Line Out.
Haver um Line Out é uma boa notícia se você quiser adicionar um amplificador externo, mas uma das minhas maiores decepções com o Lotoo é que ele não funciona como DAC para um transporte externo. Essa é uma função que naturalmente associo a players high-end e que aprecio muito, já que basta ligá-los a um computador que tenho acesso a um acervo virtualmente infinito de músicas. Com o PAW Gold, infelizmente, fico restrito ao que está em seu cartão de memória.
Já em termos de formatos de arquivos, esse DAP está mais ou menos de acordo com o que se espera nessa categoria. Ele toca basicamente qualquer coisa: FLAC, ALAC, DSD, DFF, WAV, WMA, OGG, CUE, APE, MP3 e até mesmo ISOs de SACDs. Mas digo mais ou menos porque há um formato que ficou de fora, o AIFF. Para mim não faz diferença, porque não tenho nada nesse formato, mas sei que para o dono dessa unidade, faz. Em termos de taxa de amostragem de PCM, ele aguenta até 384kHz. Já DSD são aceitos em 2.8MHz e 5.6MHz. A conversão fica a cargo de um chip TI PCM1792, uma escolha interessante numa época em que os ESS Sabre são cada vez mais a escolha padrão.
Com relação à bateria, não tenho reclamações: ela tem capacidade de 6.000mAh e a duração declarada é de 11 horas, o que para mim não é fenomenal mas está dentro da média de players do tipo e é o suficiente.
O SOM
Como já comentei em algumas situações, acredito que a diferença entre players (mesmo entre os comuns e os considerados high-end) costuma ser bastante sutil – muito menor do que os relatos que lemos na internet nos fazem crer. Existem benefícios em termos de funcionalidade – maior memória, possibilidade de uso como DAC externo e suporte a um maior número de formatos de arquivos são exemplos – e de capacidade de empurrar fones mais exigentes, mas no que diz respeito a pura qualidade sonora com fones que não exigem muito (como in-ears), encontrei poucos casos em que achei que o investimento extra realmente valia a pena.
E, mesmo quando achei, como no Calyx M e no FiiO X5 aliado ao HeadAmp pico Slim, ainda classifico as diferenças como detalhes; mas são detalhes que podem mudar consideravelmente uma percepção. Por exemplo, o que mais apreciei no Calyx M em relação ao iPod Classic foi sua maior tridimensionalidade, mas um iniciante ou um não-entusiasta dificilmente ouviria a diferença claramente – é apenas um pequeno detalhe, e não uma diferença noite-e-dia. Entretanto, comparando os dois lado a lado, esse pequeno detalhe pode ser mais um ajuste num sofisticado sistema, e algo que muda consideravelmente a percepção de um ouvinte que busca a perfeição.
Devo começar dizendo que o PAW Gold definitivamente se encaixa na segunda categoria: a diferença para players comuns é notável, e o coloca, no mínimo, no patamar do Calyx M e do FiiO X5 aliado ao pico Slim.
Comparando-o ao Sony Xperia Z3, o aparelho com o qual mais tenho ouvido música atualmente, a diferença é o que eu chamaria, nesse cenário, de considerável. O Lotoo apresenta uma sonoridade um pouco mais cheia porém, ao mesmo tempo, notavelmente mais transparente, sendo também mais detalhado. Com a Little Numbers, do duo Boy, a impressão é literalmente de que posso ouvir mais. A instrumentação é mais evidente e mais desenvolvida, de certa forma.
Parece haver extensão e presença ligeiramente maior nos agudos. Essa, em especial, é uma daquelas diferenças que muda tudo: com o Roxanne, em diversas situações o resultado é significativamente mais realista. Parece haver uma oitava a mais no extremo superior. Na Botogá, do Criolo, isso fica evidente. Passando do Lotoo para o celular, é como se um pedaço da música se perdesse e ela se tornasse mais abafada.
Nos graves, uma situação semelhante acontece, mas em menor proporção: o PAW Gold parece apresentar um pouco mais de desenvoltura em regiões extremamente baixas (como nos graves da Truant, do Burial), com graves com um pouco mais de vontade, mas aqui a diferença é muito mais sutil.
E com relação à espacialidade, encontro algo parecido com o que vi com o Calyx M – talvez seja a área em que o Lotoo traz seus maiores benefícios. A comparação com o Z3 é curiosa: é como se, em comparação com o PAW Gold, ele apresentasse um crossfeed permanente, mas não de forma positiva. Ou seja, ele mostra uma imagem mais central e “pequena”, focada na frente do ouvinte. O Lotoo, de alguma forma, é significativamente mais envolvente. Na Quiet Nights da Diana Krall, a voz assume uma posição central e toda a banda parece circundar o ouvinte, e não estar um pouco para os lados da cantora, como ocorre com o smartphone.
Quando comparo o PAW Gold ao iPod Classic as diferenças diminuem um pouco, mas de modo geral se mantém. Ele continua se mostrando mais transparente e mais refinado, com uma renderização consideravelmente mais realista e detalhista das regiões mais altas. É muito difícil colocar isso em palavras, mas um exemplo é como na música Frankie, do Club des Belugas, o prato de condução é mais evidente e mais definido. É mais fácil ouví-lo; no DAP da Apple, a impressão é que ele está um pouco perdido no meio do resto dos instrumentos. Não é só que o Lotoo tem mais extensão nos agudos, eles são literalmente mais definidos. Há mais espaço entre o que é apresentado nessa região. No iPod Classic, tudo é mais nebuloso, por assim dizer.
É a mesma impressão que tenho com relação ao que ambos apresentam em termos de espacialidade: o iPod é mais achatado, e o PAW Gold mostra um espaço mais tridimensional, que se estende mais para os lados, com maior profundidade e mais arejamento.
Sua personalidade é diferente do que lembro ter ouvido do Calyx M – este último apresentava vários dos benefícios que ouço aqui, principalmente com relação à espacialidade melhor desenvolvida, mas era também um player com uma sonoridade mais quente e eufônica, o que em alguns casos não é o ideal. O Lotoo mostra os mesmos upgrades técnicos, mas com uma tonalidade que, aos meus ouvidos, me parece mais neutra.
Ao colocá-lo ao lado do FiiO X5, ainda é claro para os meus ouvidos que o Lotoo é superior. O X5 é mais fechado, e para os meus ouvidos falta um pouco de extensão, definição e presença no extremo superior do espectro – e é justamente nessa região que o PAW Gold brilha, literalmente. Já quando pareio X5 ao HeadAmp pico Slim, vejo uma disputa muito mais acirrada, e torna-se difícil distinguir os dois. Porém, acho que ainda coloco o Lotoo um pouco na frente porque ouço nele uma transição um pouco melhor dos médios aos agudos – no X5 com o pico, parece haver um ligeiro vale nos médio-agudos quando os comparo ao PAW Gold. Mas, vejam, estou falando de diferenças extremamente pequenas que acredito que ouço, mas que certamente não notaria com um intervalo um pouco maior entre as audições, e definitivamente não detectaria num teste cego controlado. No que diz respeito à espacialidade, não noto diferenças.
Agora, a uma função que merece elogios à parte: o equalizador, que é sem sombra de dúvidas o melhor que já vi num player portátil. Sei que muitos audiófilos torcem o nariz para isso mas, sinto lhes informar, é um artifício amplamente usado por músicos e engenheiros de som – e como não há transdutor perfeito, não vejo problema em usar um equalizador para corrigir a resposta de frequência de um fone ou caixa, contanto que ele seja devidamente transparente e que forneça um bom nível de controle. E, felizmente, são justamente essas duas características que o equalizador do PAW Gold oferece.
Não fiquei tanto tempo brincando com equalizador por não ter tanto tempo, mas para o Roxanne criei um Preset com um filtro que adiciona 5dB aos 1.300Hz com Q 1.0 e outro que adiciona 9dB aos 10.000Hz, também com Q 1.0. Para o Xtreme ONE, modifiquei um pouco esse Preset, adicionando um novo filtro, que aos 80Hz adiciona 3dB com Q 0.5. Gostei muito do resultado com ambos os fones. No ONE, em especial, essa carência de extensão nas últimas oitavas é algo que me incomoda (uma das pouquíssimas coisas das quais sinto falta nesse fone). E o equalizador do PAW Gold simplesmente resolve o problema. É um daqueles casos em que fica difícil voltar para o original.
Em termos de potência, definitivamente não tenho reclamações: o PAW Gold tem folga para empurrar todos os meus fones com o pé nas costas, incluindo o HD800. Não há tanta desenvoltura quanto o meu sistema de mesa, é claro – que é mais linear e transparente e tira graves com mais pegada do Sennheiser –, mas o Lotoo é surpreendentemente competente. E, mais uma vez, basta chamar o equalizador que o HD800 pode se tornar um verdadeiro monstro nos graves – de bater o pé com Disclosure.
Também testei o Lotoo PAW Gold como fonte, alimentando o GS-X pelo Line Out e o comparando ao FiiO X5 exercendo a mesma função. E devo ser sincero: não consigo ouvir diferença entre os dois. Eles são, para os meus ouvidos, idênticos. E, comparado ao Yulong D100 sendo alimentado pelo Mac Pro como transporte, a única diferença são graves ligeiramente mais cheios no Lotoo e um volume de saída mais alto no DAP – apesar de ele estar alimentando o HeadAmp em single-ended. Para deixar ambos no mesmo nível, tive de ativar o Line-Out variável no DAP e diminuir um ponto no controle de volume.
CONCLUSÕES
O Lotoo PAW Gold assume o topo da lista dos players que já pude ouvir em termos de pura qualidade sonora.
Lembro do quanto fiquei impressionado com o Calyx M quando o testei, principalmente pelo ganho em tridimensionalidade e espacialidade em relação aos tocadores comuns que tinha, como o iPod Classic. No entanto, sua personalidade mais calorosa e eufônica, apesar de muito interessante, poderia não ser bem vinda em todos os momentos e com todos os fones. O que o Lotoo faz é, de certa forma, apresentar os mesmos benefícios, porém com uma tonalidade mais neutra e que, no final das contas, me soa mais refinada e realista. E, para completar, a duração de sua bateria é muito maior e ele é bem mais compacto e conveniente. E, apesar de sua interface ser bastante primitiva e nem de perto tão bonita quanto a do Calyx, ele não sofre com os mesmos engasgos. Minha maior reclamação fica por conta de ele não atuar como DAC externo, o que é uma pena num tocador dessa estirpe.
Ele me pareceu notavelmente mais competente que o iPod Classic, o Xperia Z3 e o FiiO X5, principalmente nas regiões mais altas, que é onde o Lotoo mais mostra desenvoltura – mas não achem que se trata de um tocador com muitos agudos. Esse definitivamente não é o caso. Considero sua tonalidade excepcionalmente equilibrada, e a questão é que o extremo superior do espectro é renderizado com um detalhamento e uma competência acima do normal. Apenas quando adiciono o HeadAmp pico Slim ao FiiO X5 o embate se torna mais disputado, mas não sei até que ponto a comparação é justa visto que, nesse caso, estou comparando um DAP a um conjunto (menos conveniente) de player de alto nível e amplificador de alto nível, ainda que o preço seja mais baixo.
Confesso que hoje em dia não contemplo mais um player do tipo, já que procuro mais do que apenas qualidade de som num equipamento como esse. Por exemplo, não vivo mais sem o Spotify – mas para os audiófilos que buscam simplesmente um tocador portátil que ofereça pura qualidade de som, encontrarão no Lotoo PAW Gold uma das melhores opções disponíveis no mercado.
Lotoo PAW Gold – US$1.600
- Sistema Operacional: Infomedia
- Bateria: 11 horas
- Dimensões: 104 x 60 x 25.4mm
- Peso: 280g
- Formatos de áudio suportados: ALAC, FLAC, WAV, DFF/DSF(2.8MHz e 5.6MHz), WMA, CUE, APE, AAC, MP3, MP4, M4A, OGG, ISO @ 44.1, 88.2, 176.4, 352.8, 48, 96, 192 & 384kHz & 16, 24 & 32 Bits
- Memória: slot SDHC/SDXC
- Potência de Saída: 500mW @32Ω
- THD+N: 0.00058% @1kHz (20Hz-20kHz)
- SNR: 120dB (20Hz-20kHz)
- Crosstalk: -119dB
- Line-Out: 2V RMS, +9dBu
- Tela: OLED 1.8″ 160×128 Pixels
Equipamentos Associados:
In-Ears: JH Audio Roxanne, Xtreme Ears Xtreme ONE
Full-Sizes: Audio-Technica W3000ANV, Grado HP1000, Sennheiser HD800 e HD600
Set de Mesa: HeadAmp GS-X