INTRODUÇÃO
Fones personalizados, aqueles feitos sob medida para o ouvido do cliente, ainda são relativamente novos, e por isso o mercado ainda está em amadurecimento. Quando entrei no hobby, havia poucas marcas que fabricavam esse tipo de equipamento. Nem a JH Audio e nem a Unique Melody existiam, por exemplo. Hoje, quem quiser um fone personalizado tem inúmeras opções: além das já citadas há Ultimate Ears, Westone, Fit-Ear, FitEar (sim, são duas), Heir Audio, Noble Audio, EarSonics, 1964 Ears, LEAR, Cosmic Ears, Hidition, Aurisonics, Spiral Ear, LimeEars, ACS, Frogbeats, Sensaphonics, Gorilla Ears e a lista continua. Algumas são americanas, outras japonesas, outras européias…
Mas brasileira, só existe uma: a Xtreme Ears. A marca surgiu em 2009 (mesmo ano da JH Audio) e possui em sua linha seis modelos personalizados, que vão desde o XE2/Pro, de duas armaduras balanceadas e que custa R$1.800 até o XE8/Pro, de 8 BAs, que sai por R$4.600. Em 2014 foi introduzido o primeiro universal da marca, o ONE, que de acordo com a fabricante é o primeiro intra-auricular universal com duas armaduras balanceadas fabricado no Brasil e custa R$999. Esses dois últimos foram cedidos pela marca para avaliação, além do XE6/Pro, modelo de 6 armaduras balanceadas que sai por R$4.200.
Para fones personalizados, a presença da marca no país é uma séria vantagem. O maior problema desse tipo de fone, na minha opinião, é o processo de compra e manufatura. O que ocorre é que as impressões e o corpo de acrílico muitas vezes não ficam perfeitos na primeira tentativa, e refits são necessários. No entanto, no caso de fabricantes estrangeiras, isso significa mandar novamente para a fábrica, esperar algum tempo e recebê-lo novamente com atrasos imprevisíveis na alfândega e mais uma rodada de impostos.
A Unique Melody, que possui representação oficial no Brasil, melhora muito essa situação, mas a fabricação local, como no caso da Xtreme Ears ou da Westone (que tem seus modelos fabricados localmente pela Audicare) vai um passo além.
ASPECTOS FÍSICOS E TÉCNICOS
O crescente número de pequenas empresas fabricando fones personalizados me dá um pouco de preocupação – fico imaginando se não existem casos onde alguém simplesmente faz uma casca de acrílico e coloca falantes de armadura balanceada sem muito critério. No caso dos fones da Xtreme Ears, ficou evidente, tanto ouvindo os fones quanto conversando com algumas pessoas da marca, que estamos falando de uma fabricante séria e que busca real desempenho através de pesquisa e desenvolvimento.
Em conversas com a marca, perguntei como era o processo de desenvolvimento dos fones, particularmente a escolha dos drivers, e qual era o objetivo de cada modelo dentro da linha – isto é, se o objetivo era sempre o mesmo, porém melhorado, ou se havia a busca por diferentes sonoridades com cada modelo. As respostas foram esclarecedoras e mostraram o esmero no desenvolvimento dos fones da fabricante:
Todos os fones in-ear da Xtreme são projetados com a utilização de um microfone/acoplador especial, padrão IEC, que simula a impedância de entrada do ouvido humano. A meta em geral é obter uma curva de resposta balanceada em toda a faixa de freqüência com excelente extensão de graves e agudos.
Os drivers são escolhidos de acordo com as necessidades do projeto e os critérios incluem impedância, sensibilidade, curva de resposta e claro a sonoridade. De modo geral, o objetivo de todo projeto segue a mesma filosofia e as curvas de resposta dos diferentes modelos não são drasticamente diferentes. Mas conforme se sobe na linha a qualidade sonora vai aumentando, com crossovers mais complexos e maior número de drivers. Como você sabe, um maior número de vias de crossover garante que cada driver opere numa faixa menor de freqüências, com melhor separação entre as faixas de freqüências de cada driver, resultando menor distorção, melhor clareza e nitidez. Enquanto que a utilização de um número maior de drivers (maior superfície radiando som) garante menor excursão do diafragma para um determinado volume de reprodução sonora, diminuindo a distorção e aumentando o headroom.
O XE6 e o XE8 são os modelos top de linha, ambos com crossover de 3 vias. O XE6 utiliza um driver duplo ventilado de alto desempenho para a reprodução dos graves, um driver duplo para os médios e um dois drivers para os agudos, onde os drivers de graves e médios utilizam o mesmo tubo de saída. Já o XE8 utiliza um par de drives duplos (4 diafragmas) para os graves sendo que a configuração de médios e agudos é a mesma do XE6. No entanto, o XE8 tem 3 saídas de som independentes. Isso possibilita a utilização de um crossover mais sofisticado no canal dos graves, resultando em melhor separação entre os graves e os médios. Entrando em mais detalhes, o XE8 utiliza tecnologia exclusiva, pelo menos no mercado nacional, com um filtro passa-baixas de segunda ordem, combinando um resistor e um indutor acústico.
Já a parte física, quando estamos falando de fones personalizados em versão universal, não é muito relevante porque o que tenho em mãos não é o produto comercializado.
Dito isso, gostaria de fazer algumas observações sobre o XE6 e o XE8 que tenho aqui em versão de demonstração. Há alguns problemas: a qualidade de construção desses modelos de demonstração não é a melhor que já vi. Por exemplo, as ponteiras são coladas no fone, e estou tendo bastante dificuldade para conseguir um selamento efetivo. De acordo com a marca, o motivo é a dificuldade de adaptar ponteiras a canos de saída tão grossos (devido à quantidade de dutos de saída de diâmetros específicos), mas minha experiência com modelos de demonstração da Unique Melody me mostra que isso é possível. Além disso, o acabamento da faceplate desses modelos de demonstração não é muito atraente.
De toda forma, são questões pequenas e que afetam somente o modelo de demonstração. Os fones personalizados comercializados são feitos sob medida e então não sofrem desses problemas. Ademais, tenho certeza absoluta de que esses detalhes das versões de demonstração serão aperfeiçoados com o tempo.
O ONE, o modelo universal, inclusive, mostra que a marca sabe o que faz. É um intra-auricular pequeno, discreto e bastante anatômico e muito confortável. É todo construído em plástico, com o logotipo da marca na tanto na parte externa quanto no divisor Y do cabo que, aliás, é basicamente o padrão dos fones personalizados. O único defeito é que, infelizmente, ele não é removível, um problema num fone que custa mil reais – no entanto, de acordo com um engenheiro associado à marca, essa decisão foi tomada para manter o custo acessível usando um cabo de alta qualidade (é o mesmo cabo usado nos fones personalizados, e é de fabricação americana). E, se houver qualquer problema no cabo, ele poderá ser substituído pela própria marca sem que o fone seja perdido.
No pacote do Xtreme Ears ONE estão inclusos uma caixinha rígida para transporte, um conjunto de ponteiras de diferentes tipos e tamanhos, uma ferramenta para limpeza e um paninho. Já os fones personalizados vêm numa Pelican Case pequena, com sílica-gel e um kit de limpeza.
O SOM
XE8/Pro
Vamos começar de cima. O XE8 é o topo de linha da marca, e conta com 8 armaduras balanceadas, sendo quatro para os graves, duas para os médios e duas para os agudos. É uma configuração semelhante à do Unique Melody Mentor (apesar de ele ter mais duas BAs, dedicadas aos médio-agudos) e, de fato, o XE8 me parece semelhante à memória que tenho do Mentor. Ou seja, sua sonoridade me parece muito equilibrada, natural e arejada.
A maior quantidade de drivers dedicada aos graves não significa que eles estejam em excesso – pelo contrário, têm boa presença mas estão muito longe de excessivos. A neutralidade me parece o objetivo, e acredito que eles tenham conseguido. São articulados, secos, muito bem texturizados e a extensão é excelente.
No entanto, aqueles que estiverem esperando uma resposta incrementada das regiões mais baixas podem se decepcionar um pouco. Ele definitivamente não tem o peso do JH13 Pro ou do Roxanne, por exemplo. Me parece estar próximo do Mentor, ou seja, me parece neutro mas sem ser chato. Tem o peso e a presença bons para rock e a definição para jazz e música clássica, mas acho que, para se divertir com música eletrônica, rap ou hip-hop, um pouquinho a mais de graves faria bem. No entanto, não podemos nos esquecer que a proposta do fone é neutralidade, e isso ele faz muito bem.
Os médios me parecem perfeitamente em linha com os graves e são dignos de muitos elogios. Mais uma vez me parecem realmente neutros, com uma personalidade mais detalhista, aberta e energética. O JH Audio Roxanne, por exemplo, é mais suave e sedoso nos médios, apesar de apresentar uma quantidade um pouco maior de detalhes. A diferença é que o XE8 é mais direto e os detalhes são mais escancarados, o que o confere uma personalidade bem interessante para rock.
Há bastante energia, vigor e impacto. O resultado é fantástico para rock. Guitarras têm aquele fenomenal crunch distorcido, mas isso não vem ao custo de um bom desempenho para gêneros mais calmos. A belíssima voz da Dido em It Comes and it Goes apresenta toda a suavidade necessária. A impressão que tenho é que a agressividade e a energia presentes em rock se transformam em mais detalhes em estilos mais calmos.
Em termos de espacialidade, o XE8/Pro não chega a ser um JH Audio Roxanne com sua sonoridade imensa, mas passa muito longe de desapontar. Mais uma vez, me parece estar próximo do Mentor. Há bastante arejamento e separação entre os instrumentos, com cada posição bem apresentada, mas não há muito como fugir do confinamento comum a intra-auriculares.
Já na transição entre os médios e os agudos fico um pouco dividido, porque acho que essa região é um pouco incrementada. Acho que há um pequeno pico nos médio-agudos, mas que contribui para essa energia que ouço nos médios e para o excelente detalhamento do XE8/Pro. Entretanto, em algumas situações o som pode ficar um pouco fatigante, principalmente porque não há a suavidade extra que seria proporcionada por graves mais presentes.
Os agudos, no entanto, são muito bons. Eles mantém um pouco dessa personalidade mais neutra, seca e aberta do XE8. São bem presentes e têm bastante definição e timbre. Também são muito bons em termos de extensão.
XE6/Pro
O XE6 me parece bastante semelhante ao XE8 em termos de personalidade, mas possui algumas diferenças significativas.
Em primeiro lugar, como esperado devido à menor quantidade de falantes dedicados às baixas frequências, essa região está um pouco em falta em relação ao irmão maior. Em termos de presença ambos estão próximos, mas em mais situações do que no XE8 fico querendo um pouquinho mais de vontade nessa região, principalmente em algumas gravações de rock. Se o XE8 me parece bastante flat, acho que o XE6 fica um pouco aquém do que eu gostaria nessa região. No entanto, vale observar que é comum que versões universais de fones personalizados apresentem uma quantidade menor de graves, então imagino que um XE6/Pro personalizado tenha um pouco mais de presença aqui.
Nos médios e agudos, porém, é que encontro as maiores diferenças. O que acontece é que, no XE6, os médios me parecem mais recuados e os agudos mais fortes. O resultado é uma apresentação que geral parece bastante analítica, o que certamente traz benefícios para alguns usos, mas não seria bem minha escolha. Há, por exemplo, bastante sibilância, e em diversas situações acho que os agudos são bastante agressivos.
No entanto, em termos de timbre tanto os médios quanto os agudos são bons, e a personalidade é muito próxima à do XE8. Ou seja, é energética e seca, num bom sentido, mas um pouco menos equilibrada. Não sei o quanto dessas características seriam transferidas à versão personalizada, ou em que proporção.
Mas o que posso dizer é que se você estiver buscando uma apresentação bastante analítica, o XE6/Pro é certamente o intra-auricular mais analítico que conheço. Caso contrário, acho que o XE8 já é excepcionalmente neutro e certamente seria minha escolha, principalmente porque a diferença de preço entre os dois não é tão grande (quer dizer, não para alguém que já está desembolsando 4.200 reais…).
ONE
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Desde essa avaliação, o ONE foi revisado e, por isso, esse teste está desatualizado. A avaliação do modelo revisado está aqui.
Após algum tempo acostumado ao XE6 e ao XE8, ouvir o ONE parece colocar um cobertor em cima da música, mas essa percepção rapidamente desaparece. É evidente que ser trata de um fone mais simples, mas que possui uma personalidade distinta e, aparentemente, tem outros objetivos. É mais escuro, musical e eufônico.
Os graves são presentes e bem interessantes. Eles vão além do que os outros dois fones da marca apresentam em termos de presença, mas ainda estão dentro do que considero natural. Não são exagerados e me parecem em linha com o resto do espectro. São também bem definidos, mas acho que há algum pequeno vazamento nos médios – algo como o Westone UM3X, apesar de em menor proporção –, mas de uma forma interessante.
Sua personalidade nos graves está mais próxima do estereótipo de falantes dinâmicos. Os graves têm bastante corpo e são redondos, fugindo da característica mais seca que fones desse tipo costumam apresentar. Bumbos têm impacto e corpo, e o resultado tanto com rock quanto com música eletrônica, hip-hop ou rap é muito bom.
Os médios parecem seguir essa linha, apresentando uma personalidade musical e sedosa. Boas gravações de jazz têm um resultado excelente, com bastante eufonia e musicalidade. Em termos de detalhes, o ONE não é o fone mais detalhado que já ouvi, mas com relação ao posicionamento dos instrumentos não tenho do que reclamar. A apresentação é um pouco intimista e o palco sonoro projetado não é expansivo, mas ao mesmo tempo não há aquela sensação de que os instrumentos estão uns em cima dos outros. Cada um tem seu espaço, mas eles estão próximos.
Quanto aos agudos, de imediato, ouço um problema: a extensão é consideravelmente fraca. Isso faz com que o fone tenha essa personalidade mais escura, o que em alguns momentos pode ser interessante, mas em outros fico com a sensação de que não estou ouvindo tudo. A partir de certo momento, ele é um pouco mudo. Me lembra um pouco o Shure SE530. Assim como ele, em certas situações há um pouco de sibilância.
Em algumas gravações, gosto do resultado porque, como eu disse, essa característica é em partes responsável pela sonoridade eufônica e sedosa do ONE, que me lembra o Audio-Technica IM50 e me agrada muito. Ao mesmo tempo, não tenho como negar que pratos de bateria não têm tanto brilho, e em muitas ocasiões isso acaba me incomodando.
CONCLUSÕES
A Xtreme Ears mostrou ser perfeitamente capaz de brigar com os grandes nomes do mercado, com produtos que apresentam alta tecnologia e desempenho.
O XE8/Pro, em particular, é fenomenal e entra no time dos melhores intra-auriculares que já pude ouvir, sendo facilmente um dos mais neutros e naturais. Definitivamente se trata de um fone de referência, e que me impressionou bastante em minhas audições.
O XE6/Pro foge um pouco de minhas preferências por ser mais analítico, mas essa personalidade pode ser muito interessante para alguns usos. Já o ONE, apesar de alguns detalhes, se mostrou um in-ear extremamente confortável, compacto, conveniente e que possui uma personalidade muito agradável. É musical e eufônico, e traz um excelente desempenho com gêneros que se beneficiem dessas características.
Tenho algumas preocupações, no entanto, com os preços. O XE6 e o XE8 estão na faixa de preço (ou acima) de alguns dos melhores intra-auriculares do mercado, como JH Audio JH13 Pro e Roxanne, Unique Melody Mentor, Noble K10 e Westone ES60 por exemplo. E o ONE enfrenta competição árdua de inúmeros concorrentes, principalmente de fones chineses que hoje desafiam os grandes nomes do mercado de universais com uma bela relação custo-benefício.
Ao mesmo tempo sei, por experiências familiares, o quanto o Custo Brasil é impiedoso. O problema vai além do alto preço das armaduras balanceadas, principal matéria prima dos fones da Xtreme Ears, e certamente afeta não só o custo dos maquinários usados quanto da própria operação. Não é fácil abrir uma empresa por aqui, quanto mais uma desse calibre que usa diversos componentes importados.
Além disso, não podemos nos esquecer das vantagens que ter uma fabricante de fones personalizados no país representa para os clientes. Tudo pode ser resolvido mais facilmente – moldes, refits, suporte, garantia, teste dos fones, possibilidade de parcelamento… e essas vantagens, aliadas à qualidade dos fones, pode fazer com que eles valham muito a pena frente aos concorrentes importados.
De qualquer forma, fico muito contente por termos uma fabricante de in-ears personalizados deste calibre no país. Espero vê-los crescer ainda mais ao longo dos anos.
Xtreme Ears ONE – R$ 999,00
- Duas armaduras balanceadas: uma para médios e graves e outra para agudos, gerenciadas por um crossover de 2 vias.
- Sensibilidade (1 mW): 119 dB SPL/V
- Impedância (1kHz): 75 ohms
- Resposta de Frequências: 10 – 17,000 Hz
Xtreme Ears XE6/Pro – R$ 4.200,00
- Duas armaduras balanceadas para agudos, duas para médios e duas para graves, gerenciadas por um crossover de 3 vias.
- Impedância (1kHz): 22 ohms
- Sensibilidade (1kHz): 118 dB/1mW
- Resposta de Frequências: 10Hz – 17kHz
Xtreme Ears XE8/Pro – R$ 4.600,00
- Duas armaduras balanceadas para agudos, duas para médios e quatro para graves, gerenciadas por um crossover de 3 vias.
- Impedância (1kHz): 22 ohms
- Sensibilidade (1kHz): 118 dB/1mW
- Resposta de Frequências: 10Hz – 20kHz
Equipamentos Associados:
Portátil: FiiO X5 + HeadAmp Pico Slim, iPod Classic, Sony Xperia Z2
Mesa: Mac Pro, Yulong D100, HeadAmp GS-X