INTRODUÇÃO
Dois dos fones mais bem sucedidos que conheço são os Sennheisers HD600 e HD650. São dois clássicos – o HD600 foi lançado em 1996 e o HD650 em 2003 – , que permaneceram por muito tempo como dois dos melhores fones que o dinheiro podia comprar. No entanto, o tempo foi passando e não víamos nada de novo – o HD650 nunca foi exatamente um sucessor do HD600, mas sim um fone com uma personalidade diferente. Muitos (como eu), inclusive, preferem o HD600.
Em 2009, porém, a marca finalmente lançou um sucessor, que imediatamente se tornou um marco na história dos fones de ouvido: o HD800. Tecnicamente, trata-se provavelmente do fone mais avançado já fabricado, e isso pode ser visto desde sua construção. Os diafragmas, angulados, são em formato de anel, o que de acordo com a marca envia ondas mais planares em direção aos ouvidos; a parte aberta dos cups é construída com uma trama de metal, com características reflexivas específicas; e até o headband foi desenvolvido de forma a não amplificar vibrações provenientes dos drivers. Parece que todo e qualquer detalhe do fone é feito com um único objetivo em mente: puro desempenho.
O resultado disso, em termos de mensurações, é muito impressionante. Vários dos gráficos gerados pelo HD800 são basicamente perfeitos. A Sennheiser realmente conseguiu levar um alto-falante dinâmico a um novo território. O problema, porém, é que isso não o torna um fone perfeito. Muitos o consideraram uma grande evolução na história dos fones de ouvido, mas alguns (inclusive eu) acharam que todas as suas virtudes técnicas vieram a um preço alto, e que no fim das contas ele roubava a alma das músicas e a apresentava de maneira excessivamente analítica.
Consequentemente, apesar de ele ter imediatamente atingido um altíssimo nível de popularidade e de ser amplamente considerado um dos melhores fones já fabricados, é interessante observar que o número de concorrentes bem-sucedidos não é pequeno – por exemplo os Audez’es, os HiFiMANs e, em menor proporção, Beyerdynamics e Grados topo de linha. Isso mostra o quão subjetivo é esse hobby e que tecnicalidade não é tudo.
ASPECTOS FÍSICOS
Apesar de não vir em elaboradas caixas de madeira ou gigantescas Ottercases como alguns de seus concorrentes, o HD800 não é mal apresentado. Ele vem numa grande caixa de papelão internamente revestida com veludo, que inclui o cabo e os manuais. Não há acessórios.
Parece que, nesse fone, a Sennheiser abraçou a ideia de ter produzido um produto altamente avançado e tanto a estética quanto os materiais usados seguem essa filosofia – ao invés da tradicional aparência mais classicamente luxuosa que vemos em muitos de seus concorrentes. Não há madeira e couro: há complexos compostos e microfibra.
O fone é imenso, mas surpreendentemente leve e excepcionalmente confortável. Praticamente não há pressão lateral, e o headband é responsável por uma inteligentíssima distribuição de peso. Não há dúvidas de que houve um extenso trabalho de ergonomia aqui, o que foi inclusive verificado pelas mensurações do Tyll Hertsens, no InnerFidelity: de acordo com ele, esse foi um dos fones cujo gráfico de resposta de frequência foi menos alterado pelo posicionamento na cabeça.
O cabo é longo e muito bem acabado. É todo revestido em tecido e o plugue P10 é imenso e extremamente sólido. Também gosto do fato de ele ser removível e de haver uma conexão em cada lado do fone, mas não gosto de ele ser um conector proprietário. É um conector visivelmente sofisticado, mas isso torna o recabeamento bem mais difícil e caro.
O SOM
Os que acompanham o site devem saber que já tive um HD800, e que ele foi embora rapidamente sem deixar saudades. Eu o achei frio, estéril e sem alma. A decisão de comprá-lo novamente veio quando quis substituir o Sony SA5000 como o fone mais espacial da minha coleção. Nesse hobby amadurecemos constantemente, e por isso achei que eu deveria dar uma nova chance ao HD800 – principalmente após ter gostado tanto do HD700.
Fiquei absolutamente maravilhado com ele, e acho que hoje consigo entender o motivo. A questão aqui – que é também o que torna essa avaliação muito difícil – é que o HD800 possui de certa forma uma dupla personalidade. O que ele faz com gravações de referência basicamente não lembra em nada o que ele faz com as comuns.
Nessas últimas, não acho que o equilíbrio tonal seja bom. A sonoridade é leve e aberta, e não há muita autoridade. A presença nos graves em grande parte das situações fica bem aquém do que eu gostaria, apesar de essa região apresentar níveis de definição e texturização bem impressionantes, além de extensão incomum num fone dinâmico. Os médios, em compensação, são irrepreensíveis – excepcionalmente naturais e realmente doces e sedosos, o que não é comum numa personalidade tão aberta e arejada. É engraçado que o Audio-Technica W3000ANV sempre me soou natural nos médios, mas colocá-lo ao lado do HD800 coloca essa percepção em cheque. Os médio-agudos me parecem levemente elevados, o que em algumas situações pode incomodar, mas acho que é uma região responsável em parte pelo altíssimo nível de detalhamento do fone. Já quanto aos agudos, não tenho reclamações. Extremamente articulados, com extensão virtualmente infinita e ótima presença.
O resultado desse equilíbrio, em pelo menos 80% das músicas que escuto, está longe do ideal. É analítico, estéril, leve, aberto demais e agressivo nos médio-agudos. Não há o peso e a autoridade do HiFiMAN HE500 ou do JH Audio Roxanne, a energia e tatilidade do Grado HP1000 e muito menos a sedução do W3000ANV. Pouquíssimas gravações de rock são escutáveis no HD800 na minha opinião, e digo o mesmo para pop, música eletrônica, rap ou hip-hop. Até mesmo algumas gravações de jazz se beneficiariam muito de uma apresentação mais quente. É por isso que muitos recomendam o uso de amplificadores valvulados, com o objetivo de esquentar um pouco a personalidade do fone.
O que me confunde é o que acontece quando as gravações certas são apresentadas a esse Sennheiser. Ele se transforma. Tudo subitamente se encaixa e o resultado é uma apresentação de uma coerência que nunca ouvi antes no mundo dos fones de ouvido.
Primeiramente, o equilíbrio tonal parece não mais apresentar falhas. O pico nos médio agudos simplesmente para de existir, e o que sobra é uma belíssima integração entre os médios – que são sedosos e relativamente calorosos por si só, apesar de espetacularmente transparentes – e os agudos infinitamente extensos.
Os graves, porém, são aqueles que mostram as maiores mudanças. Em gravações de referência, que geralmente são acústicas, há muito mais ambiência que em gravações normais. Os graves renderizados pelo Sennheiser nesses casos possui o peso certo, e eles parecem respeitar esse incremento em ambiência de forma notável – quando há uma maior distância entre os graves e o resto do espectro, esse fone garante que você vai ouvir. É muito difíficil explicar essa sensação – mas eles estão dentro de uma composição maior do que o normal, e por isso não são tão na cara do ouvinte. Mas são excepcionalmente reais. Não há o calor do Orpheus ou a autoridade do HE500. Há precisão. Não parecem ser graves de uma gravação, e sim graves numa sala, com interações muito evidentes.
Essa, aliás, é a maior proeza do HD800: sua tridimensionalidade. Esse Sennheiser é, por uma boa margem, o fone mais espacialmente desenvolvido que já ouvi. Ele é capaz de criar um enorme ambiente onde a música acontece. É a definição do termo “palco sonoro” da forma mais convincente que já pude experimentar num fone de ouvido. A precisão no posicionamento dos instrumentos é assustadora, e deixa até o Orpheus comendo poeira.
Acho, inclusive, que esse é um dos maiores motivos para ele não ser tão bom com gravações menos pretensiosas. O que acontece é que, geralmente, instrumentos são gravados individualmente e em momentos diferentes, e o posicionamento é adicionado artificialmente em estúdio. No HD800, é perfeitamente perceptível quando isso é feito. É como se – ao menos nos piores casos –, a “imagem” não fizesse sentido. Instrumentos se sobrepõem, têm tamanhos estranhos… e em gravações de referência, ou naquelas onde o posicionamento é artificial porém bem feito, as coisas se encaixam. É possível enxergar com clareza a posição e o tamanho dos instrumentos, e suas interações com o ambiente – fruto, também, da brutal capacidade de resolução e detalhamento desse fone, além da incrível velocidade do diafragma. O que está na gravação vai ser ouvido. Nessas características, ele não só se aproxima dos eletrostáticos como também ultrapassa alguns deles. Tem as capacidades do Sony SA5000 sem os prejuízos.
O resultado é que as coisas parecem simplesmente soar como coisas reais, tridimensionais, palpáveis. Lembro que mencionei algo parecido na avaliação do SA5000, quando o comparei ao Audio-Technica AD700X, mas o HD800 leva essa tridimensionalidade a um outro patamar. As únicas coisas que já ouvi que podem ser comparadas a ele são o Orpheus, que é mais orgânico e musical, mas perde em precisão; e o AKG K1000, que é mais aberto mas menos envolvente e fica para trás em precisão, resolução e detalhamento.
A Bloom, da Lou Rhodes, talvez seja um bom exemplo. A voz fica evidentemente na frente, e possui excelente corpo e definição. O violão é menor, mais fino e está a um passo atrás – o tambor no fundo, em compensação, preenche a sala com um tremor que se estende por todo o ambiente. O segundo violão e os outros instrumentos que vão aparecendo tomam, cada um, seu próprio lugar e compõem a performance. É tudo muito natural e coerente.
CONCLUSÕES
No final das contas, é muito difícil interpretar o que o HD800 me apresenta. Afinal, o que significa ele ser excepcional com músicas altamente bem gravadas mas ruim (sendo curto e grosso aqui) com as outras? Que ele é um fone praticamente perfeitamente neutro? Sinceramente, não sei. Até porque, como já disse em outras ocasiões, ser neutro em relação à mídia não significa ser neutro em relação ao evento musical original.
O que posso afirmar é que para ouvir diversos tipos de música, com níveis diferentes de gravação, ele definitivamente não seria minha escolha. Os outros fones que possuo são mais capazes nesse sentido. Eu nunca teria o HD800 como meu único fone.
No entanto, com as gravações certas, ele ultrapassa com gosto qualquer outra coisa que eu já tenha ouvido – inclusive, em alguns aspectos, o Orpheus. Veja, não estou sugerindo que ele seja um fone melhor. Para ouvir música ele não é, já que ele não chega perto de apresentar a organicidade do HE90 – que, como resultado, em alguns aspectos se aproxima mais da vida real. Em compensação, não tenho como negar que o HD800 é mais competente em sua apresentação espacial, e isso acaba criando uma imagem que, sob alguns ângulos, pode atingir níveis ainda mais elevados de veracidade.
Sua capacidade de criar um retrato palpável, tridimensional e preciso com um belíssimo equilíbrio tonal e resolução e detalhamento que chega a ultrapassar alguns eletrostáticos é realmente impressionante – só que isso não depende somente dele.
É engraçado: esse HD800, que possui uma forte esterilidade, despe a música de sua alma em 90% das gravações e me distancia dela é o mesmo fone que, nos momentos certos, se transforma no mais convincente, no mais real e no mais envolvente que já pude ouvir – e acaba por ser aquele que mais me aproxima dela.
Sennheiser HD800 – US$1.499,95
- Driver dinâmico único
- Impedância (1kHz): 300 ohms
- Sensibilidade (1kHz): 103 dB/V RMS
- Resposta de Frequências: 6Hz – 51kHz (-3dB)
Equipamentos Associados:
iMac, Abrahamsen V6.0, Audio-gd Reference One, Electrocompaniet ECD-1, B.M.C. PureDAC, HeadAmp GS-X