INTRODUÇÃO: HISTÓRIA
A Sony é uma daquelas marcas que tem o know-how para fazer produtos de altíssimo nível, mas que se concentra nos que podem ser vendidos a um público um pouco mais generalizado. Por isso, quando pensamos na marca, é comum lembrar imediatamente dos home theatres baratos, dos antigos Walkmans ou dos fones de ouvido despretensiosos.
Mas de vez em quando, ela se arrisca e mostra o que realmente é capaz de fazer. No final da década de 80, produziu a linha R, que continha uma série de aparelhos de som altamente sofisticados: amplificadores, CD players, DACs, caixas de som e o fantástico fone R10. Outras séries notáveis foram a ES e a incrível Series 1. Recomendo, para os que quiserem saber mais a respeito, o site The Vintage Knob.
Em 2004 a Sony anunciou uma nova linha de produtos high-end, com uma proposta muito interessante. A Sony fabrica produtos de diversos categorias, e essa linha apresentava um produto de cada tipo – o melhor que a marca sabia fazer. Ela se chamava Qualia e apresentava uma TV CRT, uma LCD e uma de retroprojeção, um projetor, uma câmera filmadora e uma fotográfica, um MiniDisc player, um processador de vídeo, um player SACD e, por último, um fone de ouvido: o famoso MDR-Q010.
Muitos o consideram um dos melhores fones já fabricados, mas não são poucos os que discordam. O que é inegável é que ele era um produto exorbitante – e seu preço refletia isso. Após as pouquíssimas 250 unidades já fabricadas, a Sony resolveu trazer muito do que aprendeu com o desenvolvimento do Q010 para produtos mais acessíveis, e foi aí que nasceu a linha SA de fones de ouvido.
Ela continha o SA1000, o SA3000 e o topo de linha, o SA5000, que custava 699 dólares. Todos eram circunaurais abertos.
ASPECTOS FÍSICOS
O SA5000 é muito parecido com o Q010, apesar de menor e mais mundano – possui um arco tradicional, ajustável (o Q010 era fixo e podia vir em três tamanhos), e não é feito de fibra de carbono. Isso não significa, porém, que ele não seja feito de materiais exóticos: ele é praticamente inteiro feito de liga de magnésio. O objetivo é resistência sem abrir mão de leveza e conforto.
Devo dizer que esse objetivo foi alcançado. O SA5000 parece um precursor do HD800, e é um fone muito bem construído – há uma única peça feita de plástico; o resto é metal, couro ou tecido –, com um visual bem futurista, e realmente confortável. A rede no headband pode não ser a coisa mais bonita do mundo, mas garante uma boa dose de conforto – assim como os pads, de couro genuíno –, sem qualquer pressão na parte superior da cabeça. Um problema, no entanto, é que a parte interna dos pads não é de couro, é de tecido revestido com aquele plástico que imita couro. Consequentemente, é uma questão de tempo até que ele descasque – coisa que já aconteceu com o meu par.
O cabo é revestido de tecido e tem uma ótima aparência, mas é um conhecido ponto de falha no SA5000. Ao que parece, o divisor Y apresenta problemas com alguma facilidade, e como esse Sony não possui cabos removíveis, é comum encontrar pares que foram obrigados a serem recabeados.
Um detalhe muito interessante é que ele já acompanha uma estante. Não é exatamente elaborada com a do Q010 ou ainda as da Woo Audio, mas é muito atraente e uma excelente adição ao pacote do SA5000. Gostaria que todos os fones mais sofisticados acompanhassem uma!
O SOM
Existem dois adjetivos opostos que são sempre usados para descrever equipamentos de som: quente e frio. O SA5000 é o ápice da frieza. Ele é, sem sombra de dúvidas, o fone mais analítico que já ouvi até hoje. Se existe um fone que é o oposto de um W3000ANV ou de um HiFiMAN HE500, é esse. Descrevo o HD800 como estéril e analítico, mas o SA5000 leva essas palavras a uma nova categoria.
É como se ele sugasse toda a gordura, todos os excessos, todo o calor, e deixasse apenas aquilo que é estritamente necessário. Mas isso é uma faca de dois gumes: ao passo em que ele promove uma revelação no conteúdo da gravação, a maioria certamente vai achar que isso vem em total detrimento da alma da música.
O que define o SA5000 não é eufonia ou musicalidade: é transparência, velocidade, detalhamento e espacialidade. É um olhar microscópico e com precisão cirúrgica na música.
Quem mais sofre são os graves. Poucas vezes vi um fone com uma resposta tão tímida nas regiões baixas. Para os gêneros com os quais o SA5000 realmente funciona isso não é problema, mas pode ser impeditivo em muitos casos. Os graves que existem são de boa qualidade – têm impacto, textura e são surpreendentemente gordos nas músicas certas –, mas a presença é definitivamente hesitante. Não só isso: a extensão me parece sofrível (o que é corroborado pelo gráfico de resposta de frequência do HeadRoom), ao contrário do que as especificações da Sony informam.
Algumas gravações possuem uma forte presença nos graves, como o Nó na Orelha do Criolo ou o Paradise Valley do John Mayer, e nelas gosto de como o Sony apresenta as baixas frequências. Mas a questão é que aquela máxima “ouça o que o artista quis” aqui não é falsa pelo excesso, e sim pela carência. Preciso ouvir gravações com graves fortes para ter uma apresentação coerente em termos de equilíbrio tonal.
Ao mesmo tempo em que na maior parte dos casos considero esse um defeito, acho que a intenção do fone requer esse tipo de comprometimento. No entanto, isso deveria torná-lo impraticável para música eletrônica, certo? Bem, aparentemente nem tanto. Não é raro encontrar pessoas que gostam do SA5000 para música eletrônica – já vi pessoas o considerarem o melhor fone para esse estilo, aliás.
A questão é que esses indivíduos ouvem esse tipo de música não pelos graves ou pela empolgação da batida (nisso o Sony certamente vai decepcionar), mas pela espacialidade e pela enorme e envolvente quantidade de sons que estão ali. E nesse quesito, o SA5000 definitivamente está acima da média em sua faixa de preço. Não só isso: a velocidade do diafragma é estarrecedora. Há pouco tempo comprei um HD800 novamente, e em termos de velocidade o Sony não fica nem um pouco atrás – talvez até fique na frente. Ele não me soa tão mais lento que eletrostáticos, e isso é realmente incrível para um fone dinâmico.
Na faixa Move, do álbum homônimo do The Trio Project da pianista de jazz Hiromi Uehara mostra bem essa característica. Há bastante velocidade, e a precisão temporal do SA5000 é muito evidente. Sons surgem e morrem sem traços de atividade residual dos diafragmas. É um evento extremamente curto e seco.
Algumas pessoas, aparentemente, gostam muito dessa habilidade para música eletrônica – de fato, algumas gravações, como por exemplo do Kriece, do Leon Vynehall ou ainda o álbum You Are Eternity do duo Dadub se beneficiam das habilidades espaciais e do detalhamento extremo do SA5000. Acabo não sentindo tanto a falta dos graves mas, é claro, haveria mais emoção se eles estivessem ali.
Os médios são um pouco estranhos. Eles soam, para mim, um pouco coloridos – em algumas situações eles soam um pouco nasais. Eles não me soam 100% naturais, mas isso só é visto quando faço uma comparação direta com outro fone. Ou seja, com o costume eles parecem naturais. Em termos de presença, eles parecem estar relativamente em linha com os agudos, mas acima dos graves.
É aqui, porém, que as características mais marcantes do SA5000 são encontradas. Há muita clareza e transparência no que ouço. É uma abertura um pouco forçada, que não soa tão natural e orgânica quanto a do HD800 ou, principalmente, a do JH Audio Roxanne, mas ainda assim é muito capaz e consegue mostrar o que está na gravação nos mínimos detalhes. Além disso, há o marcante espaço tridimensional que ele apresenta e altíssimos níveis de resolução.
Lembro de quando avaliei o Audio-Technica AD700X, que é um fone bastante aberto e que prioriza uma apresentação espacial, com um palco sonoro bem desenvolvido. A comparação com o Sony deixou evidente o motivo para a diferença de preço entre os dois, que seguem, de certa forma, uma mesma filosofia. Ambos soavam igualmente abertos, mas era muito interessante perceber o quanto o SA5000 é capaz de projetar uma imagem consideravelmente mais tridimensional – fruto, provavelmente, dos falantes angulados. O palco parece não ter apenas extensão lateral – ele possui profundidade, e os instrumentos, assim como suas posições, soam mais encorpados e reais. Nesses aspectos, apesar de ainda estar a uma certa distância do rei HD800, ele fica muito à frente de seus concorrentes à época do lançamento, os Sennheisers HD600/HD650, AKG K701/K702 e Beyerdynamics Premium.
As coisas começam a ficar bem complicadas nos agudos, por um motivo simples: eles são bem fortes e assumem a comissão de frente na apresentação do SA5000. Mas tenho receio em classificar essa característica como um defeito, porque acho esse Sony muito competente nessa área. A questão é a seguinte: os agudos são sim de certa forma exagerados, mas é algo com o qual me acostumei rapidamente, e pude passar a apreciar a suavidade, a extensão, o timbre e o corpo que eles apresentam.
Conseguir mostrar agudos com tanta frontalidade de maneira suave é um feito e tanto. Não há traços de sibilância ou de agressividade por parte dos agudos, mas essa posição destacada pode incomodar bastante. Quando o Hugo, meu amigo, ouviu o SA5000, me disse que os agudos em alguns trechos o causavam dor física. Acho que isso ocorre, em partes, pela falta de graves, que faz com que o ouvinte sinta a necessidade de compensar aumentando o volume.
Os que conseguirem passar por cima – ou apreciar – dessa característica vão ser premiados com uma apresentação exemplar no que diz respeito à velocidade, à textura, ao corpo e, principalmente, ao timbre dos agudos. Pratos de bateria soam como pratos de bateria. Em termos timbrísticos, consigo nomear poucos fones que estejam no nível do SA5000 nesse quesito.
CONCLUSÕES
Indo direto ao ponto: a vasta maioria das pessoas vai detestar o Sony SA5000, e não as culpo por isso. Em pouquíssimas situações eu recomendaria sequer passar perto dele. Apreciar as competências desse fone e gostar dele significa conseguir relevar características que são, para a maioria, imprescindíveis na apreciação da música. Não adianta: ele parece uma ferramenta cirúrgica, é excepcionalmente frio e em muitas situações a despe de sua alma. Não há calor, impacto, intimidade ou eufonia. Rock, pop, hip-hop, rap e principalmente metal são torturantes nesse Sony.
Ao mesmo tempo, não tenho como negar que algumas de suas habilidades são impressionantes em sua faixa de preço. Espacialidade, transparência, timbre dos agudos e também conforto e qualidade de construção. O problema é que elas vêm a um custo muito alto, com o qual a maioria das pessoas não estaria disposta a arcar.
Ele não deve ser contemplado como uma opção para um único fone num sistema. Acho, porém, que o SA5000 pode ser visto – como era para mim – como um complemento. Afinal, em alguns gêneros ele consegue ser caracterizado como espetacular. Pequenos quartetos de corda, música clássica, e algumas gravações acústicas de gêneros de jazz ou folk ficam surpreendentes quando tratadas com a frieza e secura extremas do Sony. Antes de o HD800 chegar, ele era provavelmente o meu favorito para ouvir Joanna Newsom, Kings of Convenience e Fink, por exemplo. Eu conseguia uma apresentação muito competente, com detalhamento, transparência, espacialidade e muito conforto num fone que, para completar, possui uma história muito interessante.
Acho que ele parece, de certa forma, um percursor do Sennheiser HD800, que na minha opinião segue uma mesma filosofia – visível até mesmo na estética. Afinal, na época de seu lançamento, a maioria dos fones dinâmicos não eram particularmente competentes em termos de espacialidade, abertura ou detalhamento. Essas características ficavam a cargo dos eletrostáticos. Fora esse tipo de fone, nesses quesitos, não havia nada que chegasse perto desse Sony.
O SA5000, junto com seu mentor, o Qualia Q010, foi capaz de trazer essas habilidades ao mundo dos dinâmicos, tornando-as acessíveis para aqueles que não tinham dinheiro ou disposição para montar um sistema baseado num fone eletrostático. Hoje, o HD800 parece ter assentado de vez essa filosofia na audiofilia dos fones de ouvido, possivelmente por conseguir trazer (e melhorar) as habilidades do Sony sem boa parte de seus defeitos. Fiquei pensativo ao ouvir o Sennheiser novamente e a observar sua popularidade – o SA5000 já estava no mercado, há muito tempo, e trazendo algo parecido. Mas pouca gente viu ou deu valor.
Por isso, acho que talvez o tempo do Sony SA5000 já tenha passado, um pouco despercebido, e ele permaneça apenas como um passo importante na história dos fones de ouvido para os atentos. Só é uma pena que tenha sido um passo que poucos conseguiram enxergar e apreciar.
Sony SA5000 – fora de produção
- Driver dinâmico único
- Impedância (1kHz): 70 ohms
- Sensibilidade (1kHz): 102 dB/mW
- Resposta de Frequências: 5Hz – 110kHz
Equipamentos Associados
Portáteis: iPod Classic, Sony PHA-1, FiiO E12, FiiO E17
Mesa: iMac, Abrahamsen V6.0, HeadAmp GS-X, Woo Audio WA3, B.M.C. PureDAC