Já estou nesse hobby há alguns anos, e hoje as coisas são um pouco claras para mim. Sei, porém, que montar um sistema não é algo fácil, principalmente para iniciantes. Uma melhor noção da influência de cada equipamento na cadeia e da relação entre eles é algo que vem com a experiência. Por isso, gostaria de compartilhar a minha visão particular de como se deve montar um sistema. Sei que o texto é grande, mas eu gostaria muito de ter lido algo do tipo quando comecei. Acho que algumas informações podem ser bastante úteis para quem está começando.
Na minha opinião, a ordem de importância é a seguinte, começando pelo que exerce maior influência no resultado final do sistema: fone, fonte e amplificação. O fone é (exceto pela gravação) o maior responsável pela voz de um sistema. Por isso, acredito que seja aquele que deve atrair os maiores investimentos. A fonte (como um DAC ou CD player) vem em segundo lugar – sua influência não chega perto da dos fones, principalmente tendo em vista que, atualmente, é muito difícil encontrar um DAC ruim. Alguns podem ser melhores que outros, mas acho difícil achar algum conversor que realmente prejudique o resultado final. Me restrinjo a DACs por serem a fonte da maioria dos audiófilos centrados em fones de ouvidos, mas muitos também usam toca-discos e CD players. Por último, vem a amplificação. Aqui, acho que o mais importante é a sinergia, isto é, como a personalidade do amplificador se sai quando aliada à do fone e à da fonte.
1.1) Headphone
Como ele é o equipamento mais influente de um sistema, é por onde acho que deve-se começar e para onde a maior parte do investimento deve ser direcionado. Até certo ponto, inclusive, o melhor a se fazer é comprar somente um fone. Notebooks podem ter placas de som aceitáveis, e a maioria das pessoas já possui um celular ou um tocador mp3 que já dão conta da vasta maioria dos fones disponíveis no mercado.
Os portáteis, por exemplo – basicamente qualquer um que se encontre em lojas físicas, como as Apple Stores –, se satisfazem com um iPod ou iPhone sem maiores restrições. Fones voltados para o mercado profissional (como a maioria dos da Shure ou da linha profissional da Audio-Technica, da Sony e da AKG, como o K240 e o K272) também não costumam ser particularmente exigentes. Fones audiófilos mais caros já começam a exigir um pouco mais, mas existem exceções, como os Grados e os Audio-Technica. Uma forma relativamente confiável de saber se um fone exigirá investimentos mais pesados em amplificação é observar a impedância e a sensibilidade. Quanto menor a impedância e quanto maior a sensibilidade, mais o fone será fácil de empurrar. Recomendo a leitura do artigo que escrevi sobre especificações para maiores esclarecimentos.
No entanto, existem casos em que o computador é a fonte principal mas a placa de som é ruim, apresentando forte ruído de fundo. Nesses casos, a melhor solução é partir para um DAC barato. Veja, porém, que a partir do momento em que os dados de um computador são retirados por um DAC, é necessário adicionar um amplificador. Já escrevi um texto sobre o assunto, que pode tirar algumas dúvidas. Existem algumas soluções bem interessantes nessas situações, que atuam tanto como DACs quanto como amplificadores, como o FiiO E07K, o E17 e o HiFiMAN Express HM-101. Esta última opção é legal para sistemas onde o orçamento é bem apertado, enquanto os FiiOs podem aguentar fones já mais pretensiosos sem muitos problemas.
Quando o fone já está em patamares mais sofisticados, é importante pensar no custo do sistema inteiro. Por exemplo, se alguém possui 400 dólares para investir num sistema, eu não recomendaria algo como um AKG K701 – afinal, não será possível encontrar uma solução de DAC e amplificador por 50 dólares. Nesses casos, o equilíbrio entre os três elementos é importante.
Após essas considerações, é possível proceder para a escolha de um fone. Como já escrevi num artigo sobre o assunto, acredito que neutralidade é uma utopia, e é impossível achar um fone que seja perfeitamente neutro e compatível com diferentes gêneros musicais. A verdade é que fones de ouvido são muito diferentes entre si, e o que dá a palavra final – não importa o que qualquer um diga – é o gosto pessoal do ouvinte. Por isso, o ideal é analisar o seu próprio gosto musical para tentar entender quais fones de ouvido podem ser adequados.
Por exemplo: alguém que ouça muito hip-hop e música eletrônica provavelmente irá gostar do Audio-Technica ATH-M50, que tem graves fortes e uma sonoridade autoritária; quem ouve gêneros mais calmos, como jazz e música clássica certamente vai apreciar o AKG K550, um fone com um som muito aberto e refinado; e os que gostam de rock estarão bem servidos com a apresentação energética do Sennheiser HD 25-1 II. Nenhum desses é exatamente melhor que outro. O que é melhor para mim, pode não ser para você.
Muitas pessoas, porém, querem apenas um bom fone de ouvido, que se adeque a uma vasta gama de estilos musicais, principalmente mais modernos. Elas não querem quebrar o banco ou ter um fone complexo, que exija amplificação. Para elas, um bom fone portátil já será o suficiente – exemplos são o próprio Sennheiser HD 25-1 II e o Momentum, o Skullcandy Aviator, o NAD Viso HP50, os Philips Fidelio e Citiscape Downtown e Uptown e, para os que querem ser bem econômicos, o bom e velho Koss PortaPro.
Já vi, no entanto, alguns casos de pessoas que decidiram entrar no hobby com uma quantia significativa para investir – o suficiente para partir para fones bem mais sofisticados, como Sennheiser HD800 e Audez’e LCD2 por exemplo.
Minha recomendação é, geralmente, para não fazerem isso. Explico: como não existe neutralidade, o que deve ditar nossa escolha é o nosso próprio gosto pessoal. Não adianta o que eu ou qualquer outra pessoa venha a dizer a respeito de um fone. O que importa é se você gosta do fone e de como ele se encaixa nos gêneros musicais que você ouve.
Um Sennheiser HD800, por exemplo, é um senhor fone, mas sua personalidade brutalmente reveladora definitivamente não se encaixa em muitos estilos musicais. Por isso, para uma pessoa eclética, ele talvez dê uma experiência de certa forma incompleta. O mesmo para o Audez’e ou para basicamente qualquer equipamento mais pretensioso: fora poucas exceções, como o HiFiMAN HE500, é dificílimo encontrar um fone que faça tudo. E, mesmo que ele faça, alguns outros vão fazer algumas coisas bem melhor – por exemplo, o HD800 dá um banho no HiFiMAN com música clássica.
O que recomendo, para os que têm mais dinheiro para gastar, é comprar um grupo de ótimos fones mais baratos. Um clássico que gosto é o seguinte: Sennheiser HD650, AKG K701 e Grado SR80i. Eles podem ser aliados a um conjunto de DAC e amp honesto, como por exemplo o JDS Labs O2 + ODAC, Schiit Magni + Modi ou até FiiO E17 + E09K – eles não vão tirar absolutamente tudo dos fones (principalmente do AKG), mas vão fazer um trabalho super competente. Tudo isso custaria mais ou menos o mesmo que um HD800.
Sei que é difícil, tendo o dinheiro, aceitar partir para opções mais simples, principalmente quando diversos relatos na internet apontam para a clara maestria de alguns fones bem sofisticados. Eu mesmo cometi esse erro no início. A questão é que, como disse, tudo é muito pessoal e, sendo realista, posso garantir que alguém que nunca ouviu um fone de qualidade tem chances equivalentes de se impressionar com um HD800 ou com um HD650. É preciso maturidade no hobby para realmente apreciar o que se consegue no topo da cadeia.
A grande vantagem de um sistema feito com vários fones mais simples é o fato de ele ser muito completo e adequado a uma vasta gama de estilos musicais – muito mais do que o HD800 sozinho. Mas mais do que isso: para iniciantes, vai dar uma belíssima introdução do que é possível no mundo dos fones de ouvido. Por mais que possamos ter uma ideia do que vamos gostar em termos de sonoridades, é somente ouvindo que podemos ter certeza. Um conjunto assim, portanto, pode dar os subsídios para iniciantes aprenderem sobre os próprios gostos e terem mais segurança em futuros upgrades.
Ou seja, quando eles tiverem mais segurança para partir para níveis superiores de fones, e aí sim entrar na categoria do HD800, vão saber muito mais para onde podem ir – se o K701 for o que mais agrada, o próximo passo pode ser o Sennheiser HD800; se for o HD650 talvez o mais indicado seja o HiFiMAN HE500 ou HE6; e se ele gostar mais do SR80i, pode partir para um RS1i.
Meu sistema atual segue essa filosofia. Tenho cinco fones que abrangem uma vasta gama de estilos musicais, o que é ótimo visto que sou muito eclético. Se eu vendesse todos, até poderia comprar um Stax SR-009, que em teoria é significativamente melhor do que todos os meus fones atuais, mas prefiro ter o grupo que tenho, já que ele me dá uma experiência de uma completude com a qual o Stax somente poderia sonhar.
1.2) Earphones
Muitas pessoas colocam a conveniência e a portabilidade em primeiro lugar, e por isso headphones talvez não sejam a melhor opção – afinal, in-ears podem atingir níveis altíssimos de qualidade de som, apesar de não conseguirem fornecer a mesma espacialidade dos grandes circunaurais. Fora algumas pouquíssimas exceções (como os customizados topo de linha), acho que os headphones são as melhores opções para quem quer qualidade de som absoluta, mas os que não se importarem em comprometer um pouco a qualidade pela portabilidade podem achar belas opções.
As questões do gosto pessoal são tão válidas quanto no caso dos headphones, e o ideal é buscar aquilo que você gosta. A sonoridade dos in-ears varia bastante de modelo para modelo, mas é interessante observar que cada tipo de tecnologia possui uma sonoridade distinta. Em meu artigo sobre especificações, falo resumidamente sobre o assunto.
Uma das grandes vantagens desse tipo de fone – além da óbvia portabilidade –, é a falta de necessidade de amplificação própria. Basicamente qualquer coisa já vai fornecer uma potência mais do que necessária para in-ears. Isso não quer dizer que a qualidade será sempre boa, mas em termos de potência, não há muito com o quê se preocupar.
Players portáteis já fornecem uma qualidade de som boa o bastante para in-ears, e salvo uma ou duas exceções, não há necessidade de amplificação ou fonte dedicada – por mais que possa haver um benefício, o dinheiro certamente seria melhor investido num in-ear mais sofisticado. Recomendo a adição de um DAC (sempre barato, como o FiiO E07K ou o HiFiMAN HM-101) apenas quando o usuário deseja conectar o in-ear a uma saída de notebook de má qualidade, com bastante ruído de fundo, por exemplo. Fora isso, acho que basta comprar o melhor in-ear que você puder e ser feliz com ele.
2) Fonte
Com as decisões sobre os fones tomadas, pode-se partir para uma fonte. Lembre-se, porém, que a partir do momento em que um DAC é conectado a um computador, você também vai precisar de um amplificador.
A influência do DAC no sistema, como dito anteriormente, é muito menor que a do fone. Ele vai alterar uma parte mais “fundamental” da sonoridade, é algo mais “fundo”, porém mais sutil.
Também é importante ter em vista as questões funcionais desse tipo de equipamento. Ainda existem, por exemplo, DACs que não possuem entradas USB, o que exigiria uma interface como a M2Tech HiFace para conectá-lo a um computador. Também é interessante pensar nas saídas: alguns poucos amplificadores são totalmente balanceados, o que, em alguns casos, exige DACs com saídas XLR.
Considero ser difícil, atualmente, achar um DAC ruim, mas é possível achar modelos com características diferentes. Pessoalmente, gosto da ideia de ter um DAC que simplesmente soe natural – ou seja, nem para o quente e nem para o frio. No entanto, algumas pessoas podem usar a personalidade do DAC para balancear levemente o resultado geral do sistema. Por exemplo: como tenho vários fones, quero que meu conversor seja o mais neutro o possível, mas caso alguém tenha escolhido o Sennheiser HD800 (sempre ele) como fone definitivo, talvez algo mais quente seja mais indicado. Existem alguns DACs com o estágio analógico valvulado que podem trazer resultados interessantes, como os MHDT Havana DAC. O Electrocompaniet ECD-1, apesar de não ser valvulado, também é conhecido por uma sonoridade doce e envolvente.
Da mesma forma, alguém que tiver parado num fone um pouco mais eufônico, como um Audio-Technica da linha Wood ou algo do tipo, pode se beneficiar de um conversor um pouco mais detalhista. Os equipados com o chip Sabre, como o B.M.C. PureDAC que avaliei recentemente, os Ressonessence Labs e o Matrix M-Sabre são opções interessantes nesses casos.
Aqueles que se mantiverem em sistemas menos pretensiosos não necessariamente terão poucas opções. Hoje existe uma série de componentes muito interessantes em faixas de preço diversas. Gosto muito do FiiO E17 como DAC para sistemas mais simples – até algo como um HD650, por exemplo –, apesar de apostar no JDS Labs ODAC quando a pura qualidade de som é o principal foco. Os que quiserem subir mais um pouco a escada têm várias outras belas opções, como o Emotiva Stealth DC-1, Schiit Bifrost, Musical Fidelity M1 ou a linha DacMagic da Cambridge Audio. Qualquer um desses certamente trará um belo resultado.
Vale lembrar, além disso, que não é pequeno o número de DACs que possuem amplificadores de fones integrados. Alguns modelos são muito conceituados e podem oferecer uma solução tudo-em-um fantástica para alguns fones. Exemplos são os excelentes Burson, os Grace, os Benchmark e alguns Audio-gd.
3) Amplificador
A questão mais importante aqui, além da sinergia com o resto dos equipamentos, é pensar nos requisitos dos fones. Por exemplo, de nada adianta um Trafomatic Head-One para um HiFiMAN HE6 – vai faltar potência. Um HiFiMAN EF6 também não seria indicado para empurrar um JH Audio 13 Pro devido à potência excessiva para um in-ear sensível ou para um Sennheiser HD600, já que seria overkill. Equilíbrio é importante.
A sinergia é tão importante quanto com a fonte, e é necessário pensar no que você busca com os seus fones. Eu gosto de amplificadores totalmente neutros, já que tenho muitos fones com sonoridades distintas – um amplificador com uma personalidade distinta pode ser ótimo com alguns fones porém péssimo com outros. Mas se eu tivesse apenas um fone escolhido, provavelmente pensaria numa solução ótima para ele.
Mais uma vez usando o exemplo do Sennheiser HD800: ele é um fone frio e analítico, e por isso a amplificação pode ser vista como uma forma de deixá-lo mais musical. Muitos falam muito bem do Luxman P-1u e dos Eddie Curent, por exemplo. Já o HD650, com sua personalidade assumidamente relaxada, pode se dar melhor com algo mais energético.
Alguns amplificadores se dão melhor com fones específicos, e isso vai além da pura questão de sonoridade. Existem os amplificadores sem transformadores de saída, os famosos OTL, como o Woo Audio WA3 e o Bottlehead Crack. Eles são opções fantásticas para fones de alta impedância, como o Sennheiser HD650, mas não são indicados para fones menos resistentes, como os Grados ou Audio-Technicas.
Algo que observo é que muitas pessoas se prendem a duas características que não necessariamente são tão decisivas na sonoridade de um amplificador: válvulas e balanceamento.
Há um estereótipo sobre amplificadores valvulados e estado sólido, mas na minha opinião, muitas vezes a sonoridade do equipamento é mais dependente de outros fatores do que da tecnologia de amplificação usada. Um Burson HA-160D me soou mais “valvulado” que um Little Dot MKVI, por exemplo, e tenho certeza que um Luxman P-1u é mais macio e aveludado do que muitos valvulados. Acho que a escolha pode seguir uma direção – afinal, geralmente valvulados têm sim uma sonoridade mais macia –, mas acho que isso nunca deve ser visto como um limitador. Existem outras questões igualmente ou mais importantes.
O balanceamento, por sua vez, é, na minha opinião, consideravelmente desprezível na montagem de um sistema. Ele até pode melhorar a separação estéreo, mas a verdade é que é uma melhora geralmente risível, e isso quando estamos comparando a saída single-ended e a balanceada de um mesmo amplificador. Se estivermos comparando dois amplificadores diferentes, não é o balanceamento que vai ser o fator decisivo em nenhuma comparação, é a topologia do amplificador. Aposto que existem valvulados single-ended bem mais espaciais que o HeadAmp GS-X, por exemplo.
Meu ponto é que o balanceamento é algo muito pequeno, principalmente quando comparamos amplificadores diferentes. O projeto do amplificador é muito mais importante, então faz muito mais sentido comprar um single-ended excepcionalmente bem projetado do que um totalmente balanceado menos sofisticado. Não é o balanceamento que vai mudar essa situação. Acho muito curioso ver que muitas pessoas consideram esse um requisito, visto que sua influência é significativamente menor do que a de uma série de outras questões.
Palavras Finais
Esse artigo lida com assuntos complicados e muito abrangentes, então certamente não tive a oportunidade de discorrer sobre algumas coisas. Existem exceções para qualquer regra, e o que foi dito aqui não deve ser tomado como uma verdade absoluta no hobby.
Além disso, essas são minhas opiniões pessoais sobre o assunto, mas são opiniões que formei ao longo de algum tempo de estrada, tendo tido a oportunidade de testar um grande número de equipamentos. São coisas que eu gostaria de ter lido no início, já que me poupariam de algumas decepções.
Espero que, junto com os outros artigos que já escrevi, esse possa esclarecer algumas questões sobre esse hobby apaixonante.