INTRODUÇÃO
A Ultrasone sempre me passou a impressão de ser uma marca estranha. São fisicamente muito interessantes, com um aspecto e construção luxuosos mas, apesar de serem geralmente colocados na categoria de fones audiófilos, a aceitação no mercado é um pouco conturbada. Os produtos dela são caros e, ao passo que alguns os amam, os que odeiam não são poucos.
A marca tem uma linha profissional variada, mas os que realmente parecem se destacar – para o bem e para o mal – são os da linha Edition. São fones feitos em quantidades limitadas, que parecem dividir águas. O primeiro foi o Edition 7, sobre o qual tenho pouquíssimas informações. A seguir, foi feito o Edition 9, que parecia um fone da linha profissional com um preço muito maior. Não pareceu ser muito aceito no círculo entusiasta. O próximo, porém, foi diferente: o Edition 8 – vá entender a sequência numérica – conseguiu fazer bastante sucesso, tendo se desvencilhado totalmente da estética profissional tradicional da marca, e apelando para um físico muito mais luxuoso.
O Hugo, um audiófilo pelo qual tenho um imenso respeito (além de ser meu amigo pessoal), voltou de uma viagem com um Edition 8, altamente impressionado com o que estava ouvindo. Ainda me lembro dele me falando “Léo, esse fone é especial.” Se tratando do dono de um Sennheiser Orpheus, não tive como não ficar curioso. Graças a ele, estou com esse Ultrasone para avaliação.
Trata-se de um circunaural pequeno, focado no uso portátil. Considero essas características extremamente estranhas para um fone que se posiciona como o topo de linha de uma marca audiófila e, portanto, como um fone de referência. Perto de sua faixa de preço, 1.500 dólares, encontramos Sennheiser HD800, Beyerdynamic T1, Grado PS1000 e os planar-magnéticos HiFiMAN HE6 e Audez’e LCD2 – esse último 500 dólares mais barato, aliás –, além de intra auriculares customizados topo de linha de marcas como JH Audio, Ultimate Ears e Unique Melody.
São fones que partem para uma ofensiva pesada na categoria de referência, proporcionando desempenho a qualquer custo, tanto monetário quanto físico. Um circunaural pequeno, fechado e portátil é um compromisso. Essas características são conhecidas justamente por limitarem a performance de um fone. Um topo de linha assim, direcionado ao mercado audiófilo, é uma escolha muito estranha.
ASPECTOS FÍSICOS
O Edition 8 é um fone, na minha opinião, excepcionalmente bonito. Sei que beleza é pessoal, mas não há como negar que ele é no mínimo interessante e muito bem construído. Tanto os pads como o headband possuem farta quantidade de espuma e são revestidos com couro de ovelhas da etiópia (é sério), que proporcionam um toque muito macio e confortável. A parte rígida do headband é de alumínio, e se conecta aos cups de rutênio. É um metal que tem uma estética espelhada de muito bom gosto.
O cabo, porém, além de um pouco curto não é removível – o que é aceitável em fones desenvolvidos para o uso em casa, como o T1 por exemplo, mas para um portátil… pode ser um grande problema. Afinal, ele certamente sofrerá um maior desgaste, e a substituição é muito complicada. De toda forma, é um cabo relativamente grosso, que passa a impressão de robustez e durabilidade. (Nota: na versão limitada Romeo & Juliet, o cabo é removível e conta com microfone e botões de volume e de atender chamadas/play/pause)
Esse é um fone muito confortável, mas encontro sérios problemas com o fit. Nunca ouvi um full-size tão dependente do selamento – sem ele, os graves sofrem consideravelmente –, que é algo, para mim, muito difícil de conseguir. O problema é que o fone é pequeno, e mesmo conseguindo cobrir o entorno de minhas orelhas – o que não acontece com muitas pessoas com orelhas maiores que a minha, devo dizer, tornando o Edition 8 impeditivo para elas – o selamento do lado esquerdo é difícil, e preciso ficar ajustando o fone constantemente. Fora isso, o isolamento é bom.
Em termos de acessórios, é fornecido somente um saco para transporte de um tecido que lembra veludo, um adaptador P2-P10 e um cabo extensor.
A estranheza vem, porém, nos detalhes. Primeiro, é estranho um produto tão bem resolvido esteticamente vir numa caixa de gosto tão duvidoso. O logotipo do Edition 8 e o grafismo na caixa parecem puxar para uma estética art-decò que simplesmente não existe no fone. Mas esse é um detalhe. Os pads, porém, não são. Por incrível que pareça, são fixados com fita dupla face! São uma parte do fone que sofre de desgaste, então em algum momento terá de ser substituída. É curioso que a marca não tenha conseguido pensar num sistema mais elaborado. Me lembra um pouco o cabo do HE6 seguro no conector por fita crepe, mas é mais aceitável um dezlize do tipo num fone projetado por um homem só e montado na China do que num assumidamente de luxo, feito na Alemanha em edição limitada por uma conceituada marca daquele país. Mesmo no Chinês, os pads são fixados por meio de um sistema de encaixe que, se não é tão elaborado, é bem eficiente.
O SOM
O Hugo comprou o Edition 8 em substituição a seu antigo Beyerdynamic DT1350, como um fone portátil. Quando perguntei como os dois se comparavam, ele disse que o Ultrasone possui uma maior quantidade de todas as frequências. Lembro de ter achado isso estranho, mas ouvindo o fone, essa é exatamente a impressão que tenho. O Edition 8 é consideravelmente agressivo, mas de uma forma muito curiosa.
Os Grados são agressivos pelos médios muito para a frente, e um JVC FX700, por exemplo, por uma assinatura muito forte em V, com graves e agudos excessivos. A questão é que quando dizemos que um fone tem muitos médios, graves ou agudos, é em relação às outras frequências. Afinal, só podemos falar do volume de uma faixa de frequência em relação a outras. Então como seria possível um fone ter uma grande quantidade de todas as faixas de frequência? Isso não faz sentido. Mas é precisamente a impressão que tenho.
A começar pelos graves: eles são bem fortes, passando do ponto do que eu consideraria natural. Felizmente, o incremento é feito com muita qualidade. Ouvindo a Get Lucky, do novo álbum do Daft Punk, temos uma excelente qualidade de gravação e mixagem apresentados com maestria. O baixo é gordo e ronca com gosto. Tem boa definição, mas não consegue atingir os níveis de definição e textura dos melhores fones abertos. Afinal, estamos falando de um fechado. Em compensação, dificilmente os abertos conseguem apresentar frequências baixas com tanta gordura – e estou falando isso de uma forma muito positiva.
Mais uma vez, talvez estejamos esbarrando numa compensação, afinal o Edition 8 foi feito com o uso portátil em mente e, por isso, graves incrementados podem ser desejáveis. Mas não era para esse ser um fone de referência?
Os médios também merecem elogios. Têm seu lugar no espectro muito definido e são extremamente limpos e claros. Minha única crítica é uma leve falta de calor e corpo. Vozes são um pouco mais distantes do que eu gostaria, e não há a sensação de intimismo que um desempenho caloroso nos médios pode proporcionar. Eles são um pouco mais frios, o que fica muito evidente quando o comparo ao HP1000 ouvindo a Mascarados, do Rubel em seu álbum Pearl.
Os agudos são complicados. Minha vontade é simplesmente chamá-los de fenomenais, mas tenho um pé atrás aqui. A questão é que eles renderizam pratos de bateria anormalmente bem, mas justamente por apresentarem uma característica metálica muito forte.
O álbum Esperanza, da Esperanza Spalding, contém uma das melhores gravações de pratos que conheço, e é impressionante o quanto eles têm vida no Edition 8. Há corpo, definição, transparência e timbre irrepreensíveis. Mas ao mesmo tempo, acho que essa competência existe justamente devido a uma característica metálica e um pouco agressiva dos agudos, devido a algum pico em regiões mais baixas dos agudos. Eles também apresentam uma granulação um pouco evidente.
O resultado é que pratos de bateria soam excepcionais, mas talvez em outras situações a contribuição dos agudos seja, além de definição, a agressividade que tanto define o Edition 8 para mim.
Por falar em definição, essa é uma das coisas que mais impressiona nesse Ultrasone. Quer dizer, não é exatamente a definição. É um conjunto de aspectos: transparência, definição e, o mais importante, palco sonoro.
A Ultrasone possui uma tecnologia chamada S-Logic que, de acordo com a marca, se traduz numa sensação de palco e envolvimento incomparável. Eu demorei a realmente ouvir isso, mas devo dizer que consegui entender do que se trata. A questão é um pouco difícil de explicar, mas aí vai:
Geralmente, quando falamos em palco sonoro num fone, temos uma apresentação muito clara num espaço. O Sennheiser HD700 é, para mim, um grande exemplo de o quão bom um fone de ouvido pode ser nesse quesito. Ele parece literalmente pintar um espaço onde os instrumentos estão, e esse espaço é muito definido pela música. É a sala onde ela foi gravada, com suas próprias características de reflexões ou reverberações. Nessa sala, instrumentos têm seu espaço, com ar e respiro entre eles.
No Edition 8, a sensação é diferente e muito curiosa: ele parece retirar a ambiência (o “som do espaço”) da gravação, e manter apenas a posição dos instrumentos muito duramente definida. Ou seja, ele pega cada instrumento e os coloca numa posição realmente precisa em relação ao ouvinte, mas sem ambiência, sem ar. Há apenas um espaço preto, um vácuo. É mais ou menos como um sistema 5.1 com apenas um instrumento em cada caixa de som. As posições são realmente precisas e definidas, mas o espaço parece limitado e comprimido – não há vazamento, eco ou reverberância como num HD700 ou HD800 –, por vezes aparentemente confinado à cabeça do ouvinte.
Não me entendam mal – isso não é uma crítica, muito pelo contrário. É uma habilidade incrível, uma nova interpretação de palco sonoro, que dá uma personalidade diferente às músicas. Não é uma sensação tão expansiva quanto à do palco dos Sennheisers citados, mas me parece mais precisa e no mínimo igualmente satisfatória, mas de maneira diferente.
E como o Edition 8 é um fone realmente transparente e com altíssima capacidade de resolução, a sensação de definição proporcionada por essas características é excelente. O detalhamento é impar – o problema é que há, junto com ele, aquela clara sensação de agressividade que falei no início.
De alguma forma, o resultado de tudo isso – aparente e curiosa grande quantidade de todas as frequências, agudos metálicos, palco sonoro definido e duro e grande capacidade detalhamento – é um fone decididamente agressivo. A fadiga auditiva, após algum tempo com ele nos ouvidos, é enorme.
CONCLUSÕES
Nunca fiquei tão confuso com um fone de ouvido. O Ultrasone Edition 8 é completamente diferente de tudo o que existe no mercado, e isso pode ser muito bom ou muito ruim.
Para começar, ele apresenta uma sonoridade muito diferente. Consegue ter a apresentação vigorosa, energética e autoritária dos fones fechados (o que me lembra o impacto de bons monitores ativos), com uma boa dose de detalhamento e transparência e uma interpretação singular do que é palco sonoro. Essa combinação o torna uma opção fantástica para gêneros modernos, como rock e jazz contemporâneos, pop, metal, hip-hop e música eletrônica.
Em compensação, sinto, em muitas situações, que falta delicadeza e refinamento. Afinal, não consigo deixar de lado o quão agressivo vejo o Edition 8, e mesmo estando totalmente ciente de suas habilidades, me vejo sempre pensando nas outras opções no mercado que apresentam essas habilidades sem tanta agressividade.
O problema do Edition 8 parece ser sua singularidade. Ele é um fone singular, mas talvez demais para seu próprio bem. Suas habilidades são únicas quando vistas em conjunto, mas acho difícil encontrar um lugar para ele… porque tudo o que ele faz bem, pelo menos em minha opinião, outros fazem melhor.
Se é para ter peso e autoridade, LCD2 ou HE500. Transparência, HD800. Agressividade, RS1i. Portabilidade, in-ear custom. Suas características mais únicas – palco sonoro e agudos – não são, pelo menos para mim, o suficiente para passar por cima de seus problemas. Uma vantagem do Edition 8 é conseguir trazer um pouco de cada coisa – bem, muito no caso da agressividade –, mas mais uma vez… para mim, infelizmente não é o suficiente.
Vejo o Edition 8 muito em cima do muro. Ele não parece estar totalmente com os pés em lugar algum. Me parece sempre um compromisso, uma tentativa de colocar tudo numa coisa só. Uma das vantagens de construir um sistema de fones é justamente poder fazer várias combinações e ter opções diferentes para momentos e gêneros diferentes. Mas o problema de querer fazer tudo de uma vez é precisamente não conseguir fazer nada totalmente bem. É o que parece acontecer aqui…
Tenho total ciência das capacidades técnicas do Edition 8, que não são poucas. E sei que, justamente pelo que critico (tentar fazer tudo de uma vez), muitos vão amá-lo. Mas, tristemente, devo admitir que não consigo realmente gostar dele. Só consigo pensar numa coisa:
JH13 Pro.
Ultrasone Edition 8 Ruthenium – US$1.500,00
- Driver dinâmico único
- Impedância (1kHz): 30 ohms
- Sensibilidade (1kHz): 96 dB/1mW
- Resposta de Frequências: 6Hz – 42kHz
Equipamentos Associados:
Portáteis: iPod Classic
Mesa: iMac, MacBook Pro, Cambridge Audio DacMagic, Electrocompaniet ECD-1, HeadAmp GS-X