Estive, nesses últimos dias, ouvindo os dois ótimos álbuns da banda Wolfmother: o auto-intitulado e o Cosmic Egg. As audições deste último, junto com alguns assuntos recentes que tenho visto em fóruns e grupos de discussão me fizeram parar para pensar em muito do que é dito acerca da qualidade de arquivos – os desprezíveis mp3s, fantásticos FLACs e WAVs irrepreensíveis.
A busca por arquivos de resoluções cada vez mais altas é frequente, e isso se reflete na vasta quantidade de DACs que são lançados no mercado com a promessa de uma qualidade de som cada vez maior. Lembro, quando comecei nesse hobby, que o limite comum eram os 24bits/96kHz. Hoje, é comum que esses aparelhos sejam capazes de decodificar a escassa oferta de arquivos em 32bits/384kHz e a sensação do momento são os que também se entendem com o DSD, um sistema de modulação diferente do PCM (o comum em quase qualquer mídia digital), emprestado dos SACD. Para referência, o bom e velho CD está limitado a 16bits/44.1kHz.
Não vou entrar no mérito da audibilidade dessas maiores resoluções – apesar de, curiosamente, os 44.1kHz terem sido escolhidos precisamente por, pelo menos teoricamente, já cobrirem todo o espectro audível por um ser humano. Há muita informação disponível on-line sobre o assunto, mas esse também é um dos grandes debates que lidam com as golden ears. Não tenho uma opinião formada a respeito, mas é uma discussão interessante que, assim como muitos preceitos na audiofilia, merece atenção e uma boa dose de investigação e questionamento.
Talvez, nesse momento, você esteja se perguntando por que é que ouve diferenças muito evidentes entre arquivos de alta resolução e mp3s normais. Boa parte dos álbuns disponíveis em 24 ou 32 bits na verdade são extraídos de um disco de vinil (pelo menos os de artistas mais comuns – considerando gravadoras como Chesky ou sites como o HDTracks, a história é outra), usando um toca-discos, uma interface para captura, um ADC e um computador. Cada um desses equipamentos, assim como a própria mixagem frequentemente diferente do vinil, exerce influência sobre a sonoridade do que se ouve. Por isso a diferença é frequente. Preferir um ou outro, nesses casos, é questão de gosto e, acredito, tecnicamente não há vencedor.
Devo dizer que não consigo diferenciar, em meu sistema de fones pelo menos, um mp3 a 320kbps bem ripado não só de um FLAC comum a 16/44.1kHz, mas também de um a 24/96kHz. Já pude fazer um teste cego rápido, e constatei que os acertos foram pura sorte. Só fiz com uma música, mas mesmo que com outras eu consiga detectar uma diferença – o que duvido, visto que a que usei é um studio master da Linn Records –, só o fato de ela ser variável já constataria que a diferença é ínfima. Considero curioso que eu veja com tanta frequência entusiastas – num grande número de vezes bem menos experientes que eu e com equipamentos muito menos reveladores – relatem ouvir distinções claras entre esses tipos de arquivos. Adoraria convidá-los para um teste cego. Com um mp3 a 256kbps a história é outra, e consigo distinguir dois arquivos de uma boa gravação com alguma consistência num teste cego – apesar de considerar a diferença muito pequena.
E meu ponto está justamente aí: acho engraçado todo o alarde feito em cima de FLACs, mp3s e arquivos de alta resolução quando o que faz uma diferença real frequentemente fica esquecido: a qualidade da gravação e da mixagem. Voltando ao Wolfmother, gostaria de saber quem foi o indivíduo que mixou o Cosmic Egg, porque ele é uma atrocidade em termos de qualidade de som. Imagino que o técnico provavelmente tenha feito a mixagem usando monitores com o tweeter quebrado. Os agudos têm um pico insuportável, que acaba com os pratos da bateria e faz com que eles pareçam mais triângulos. Ouvir com o HiFiMAN HE500 e o JH Audio JH13Pro me incomoda muito, e sabe-se lá o que aconteceria com um Sennheiser HD700. Provavelmente seria pura tortura. O mesmo acontece com o Walk on The Wild Side, do Lou Reed. É um álbum mixado violentamente em V, o que traz, como já disse na avaliação do JVC FX700, grandes problemas no realismo dos timbres representados e, de quebra, muita fadiga auditiva.
Tudo isso, aliás, não levando em conta a já famosa Loudness War – a busca por um volume e um nível de compressão mais altos, que acabam com a dinâmica (variação entre passagens mais baixas e mais altas de uma música), matando assim não só o respiro, o arejamento e o palco sonoro, mas também muitas vezes a emoção da música, que se torna cansativa e, frequentemente, agressiva. Comparem uma boa gravação de rock, como o Dark Side of The Moon, com o Death Magnetic do Metallica ou o Californication do Red Hot Chili Peppers.
Do outro lado da moeda, temos álbuns fantásticos nesses aspectos – me lembro imediatamente do espetacular Bare Bones, da Madeleine Peyroux, que parece embutir válvulas nos sistemas mais frios e estéreis, do magnificamente claro, transparente e espacial Quiet Nights da Diana Krall, do deliciosamente íntimo Smother do Wild Beasts, ou do cru e direto Dirt Floor, de Chris Whitley. Sem contar, é claro, as gravações de referência como as da Chesky Records, Deutsche Grammophon e a já mencionada Linn Records. São gravadoras que colocam o realismo à frente de qualquer coisa. Em alguns casos, chegam a usar apenas um microfone para capturar uma performance ao vivo numa sala cuidadosamente escolhida. Assim, toda a informação espacial da gravação é capturada.
Não estou dizendo, obviamente, que devemos parar de escutar aquilo que não foi bem gravado e procurar apenas gravações de referência. Já li esse absurdo, o que para mim é uma subversão do hobby. Também não estou dizendo que não devemos mais baixar nada acima de um mp3 a 320kbps, apesar de não ouvir diferença e de ter dúvidas sobre quando dizem ouvir claramente. Eu mesmo escolho FLAC quando possível, mas puramente por desencargo de consciência e por ter bastante espaço disponível.
A questão é que acho interessante que haja um foco tão grande nos números indicativos da resolução quando o que realmente importa não está ali. Para mim, se trata de mais um caso da coisa que é posta totalmente fora de proporção pelos entusiastas – muito parecido com quando leio que, num sistema realmente high-end, há pouca diferença entre um SR-009 e um HD800 (e de alguma forma a diferença entre dois cabos não é). Isso considerando que existe uma proporção em primeiro lugar, o que talvez não seja verdade.
O que quero dizer para o leitor é para ele relaxar e não se importar tanto com isso. Mesmo se houver benefícios audíveis nos números cada vez maiores, não é preciso muita coisa para se ter uma audição extremamente prazerosa, ouvindo 90% do que a gravação pode oferecer, em seu próprio sistema. O segredo não está nos números, está no que aconteceu no estúdio antes deles. Considerando a qualidade do que ouço, tendo que escolher entre a Sundial a 9 trilhões de kHz e a Our Lady of Pigale em mp3 a 256kbps, não vou nem pensar duas vezes.