INTRODUÇÃO
Ainda me lembro de quando o Audez’e LCD2 foi lançado. Foi próximo ao surgimento dos fones “normais” que quebraram a barreira dos mil dólares: Sennheiser HD800, Beyerdynamic T1 e Grado PS1000. Porém, havia uma diferença: o LCD2 é planar-magnético. Já falei sobre a tecnologia na avaliação do HiFiMAN HE500, então vou pular essa parte nessa avaliação. Mas, resumindo, é um diafragma diferente, um meio termo entre dinâmicos comuns e eletrostáticos, e é possível dizer que ele alia benefícios dos dois mundos: uma velocidade e transparência que lembra eletrostáticos e um impacto e força ainda maior que o dos dinâmicos.
O LCD2 causou uma verdadeira revolução no head-fi, e em pouco tempo provou ser muito mais do que um simples FOTM (flavour of the month, fones que geram um burburinho muito maior do que merecem, então ganham fama rápido mas desaparecem na mesma velocidade). A marca se estabeleceu rapidamente como fabricante de um dos melhores fones do mundo, muito capaz de competir com os grandes nomes do ramo. O público se impressionou com o que um fone isodinâmico é capaz de fazer, e não demorou para a tecnologia voltar a ganhar espaço.
Esse fone foi uma evolução do LCD1, que na verdade não estava distante de um protótipo, pouco visto no mundo dos fones. Houve, após um tempo, uma revisão, que adicionou um pouco mais de vida nos agudos, já que o LCD2 original era decididamente escuro, o que agradava alguns e desagradava outros. Após essa alteração, o fone ficou conhecido como LCD2 Rev.2.
No ano passado, a marca introduziu um fone superior, chamado LCD3. Ele usa um diafragma diferente, chamado de LOTUS, com ligas especiais nas partes condutivas, que garantem menor distorção e um maior controle dele. A recepção foi um pouco diferente, devido ao preço duas vezes maior que o do LCD2 – e, exceto pela madeira e pelo conector no fone, não há diferença estética entre eles. Por isso, acho, muitos encararam o LCD3 como um LCD2 um pouco melhorado – o que ele não deixa de ser –, mas com um preço muito maior. Será que a marca se apoiou no sucesso absoluto do LCD2 para aumentar sua margem de lucro?
Enfim. Tenho aqui um LCD2 Rev.2 para ser testado (mais um agradecimendo ao digníssimo Osni), e pretendo descobrir se ele é mesmo tudo o que dizem.
ASPECTOS FÍSICOS
Em termos de acabamento, atualmente, na minha opinião, o Audez’e LCD2 é um fone bem resolvido. Os enormes cups são de madeira (há a opção entre bambu e jacarandá, sem alteração de preço), os pads e headband podem ser de couro legítimo ou de um tecido que parece alcântara, e a única parte de plástico parece ser a peça que segura as hastes de ajuste de altura – ele usa o mesmo mecanismo dos Grados atuais.
Digo atualmente porque não foi sempre assim. Nas suas primeiras versões, o headband era simplesmente uma tira de metal acolchoada com espuma na parte de baixo. Era uma solução efetiva, mas muito pobre esteticamente para um produto de quase mil dólares. Outro problema é que a madeira perto da entrada do cabo, em pouco tempo, começava a apresentar rachaduras. Porém, quando isso acontecia, o fone era trocado imediatamente pela marca, e houve um redesenho da entrada do cabo: agora, ele não era mais uma protuberância da madeira, e sim uma peça de plástico separada dela. A grade atrás dos diafragmas também sofreu uma alteração, recebendo uma referência à letra A. Outras revisões foram no cabo e nos pads.
Essas revisões mostram claramente que a marca está continuamente procurando feedback com os donos e fazendo os ajustes necessários – não se esqueça que é uma fabricante muito pequena, e os fones são feitos quase artesanalmente. O problema é que isso faz com que fones mais antigos estejam sujeitos a mais problemas e percam valor de revenda rapidamente. Eu ficaria chateado se tivesse uma versão mais antiga…
Já em termos de conforto, encontrei alguns problemas: primeiro, ele é gigantesco e consegue ser mais pesado que o HE500. Pesa mais de meio quilo, e esse é um problema sério. O headband é bem mais acolchoado, o que atenua o problema, mas o peso é muito substancial. Outro problema é que a pressão lateral também é muito substancial, e o formato dos pads, desenhados para colocar o diafragma a um ângulo, melhorando o palco sonoro, acaba transferindo a força para a frente, fazendo com que o fone escorregue. Consegui uma melhora colocando o headband mais para trás, quase no limite, mas não posso me mexer muito que ele escorrega de novo. Mas veja que questões de conforto são muito pessoais. Infelizmente, no meu caso, ele se mostrou um dos fones mais desconfortáveis que usei – superando inclusive HE500 e HP1000.
Quanto aos acessórios, existe (ou existia, não sei dizer) a opção da case: ele pode acompanhar uma case de vôo, como a das Otterbox, ou uma de madeira, revestida com seda na parte interna. Uma opção é funcional, e a outra luxuosa. Também acompanha um cabo balanceado e outro single-ended. Isso é muito apreciado. Outro adicional é um kit de tratamento da madeira.
O SOM
Está ficando um pouco claro para mim que fones planar-magnéticos possuem uma personalidade muito forte, distinta das outras tecnologias. Boa parte das características singulares que encontrei no HE500 sem mantém aqui: graves muito fortes, bastante impacto e visceralidade, médios muito doces e agudos um pouco finos.
A primeira coisa que chama atenção no LCD2 são os graves. Eles são realmente fortes – consideravelmente mais do que eu gostaria. Já acho que o HE500 é um fone com graves altos, mas no LCD2 essa característica é ainda mais acentuada. A qualidade dos graves é espetacular, há uma belíssima combinação entre textura e gordura, e a extensão é praticamente infinita (até os 10Hz não há absolutamente nenhum roll-off). Mas tenho um grande problema com a quantidade. Sinceramente, há graves demais, e, em muitos estilos musicais, eles contaminam o resto da apresentação, que acaba virando uma massa claustrofóbica. Já acho o HE500 um fone com muita “massa”, mas comparado ao LCD2, ele soa consideravelmente leve e arejado. Na minha opinião, isso se dá devido aos graves fortíssimos do Audez’e.
É uma pena, porque em termos de qualidade, os coloco dentre os 5 melhores que já ouvi… poucas vezes ouvi um grave com tanta vontade aliada a competência. Acho que o problema não é só na quantidade, mas no fato de não haver roll-off. A impressão que tenho é que há literalmente uma contaminação, algo muito forte mais embaixo que faz com que eu me sinta preso. Isso não acontece em todos os estilos – mas acontece em boa parte deles e me incomoda profundamente. Por exemplo, com rocks clássicos, que não tem muitos graves em virtude da gravação, o excesso pode até ser bem-vindo. Mas com basicamente qualquer coisa moderna, exceto algumas músicas eletrônicas, eu simplesmente gostaria de menos graves.
A pena é ainda maior quando ouço os médios e agudos – nessas regiões o LCD2 se mostra um dos fones mais passivos que conheço. É muito próximo do que eu consideraria perfeitamente neutro em termos de quantidade de frequências.
Os médios são certos. Um showcase de como se fazer médios. Não tem a força e a fisicalidade HP1000, a clareza do HD800 ou a doçura extrema do HE500 ou do SR-007. Ele não pende para nenhum lado, para nenhuma característica. Tem a quantidade certa de tudo. Em linearidade, é ponto. Em transparência, não escancara todos os problemas, mas também não é velado – consegue ser muito transparente, sem qualquer consequência negativa. Em quantidade, não está nem para a frente e nem para trás. Sinceramente, nesse quesito, praticamente não tenho o que falar. Seu desempenho é estelar. Vozes, guitarras, violões, pianos… se desenvoltura nos médios é o que você quer, de tudo o que ouvi, pouquíssimas coisas conseguem sequer competir com o LCD2. Nesse momento, estou ouvindo Quiet Nights, da Diana Krall, e estou impressionado com a competência desse fone nos médios.
Como todos os isodinâmicos, porém, o palco sonoro não é seu forte. A capacidade de criar uma imagem é boa, assim como a separação instrumental, mas o palco praticamente não tem um tamanho definido. Eu não costumo me importar muito com isso – tanto que vendi meu AKG K1000 –, mas o problema é que, no LCD2, esse palco restrito se alia à prensa que ele é, fisicamente, por causa da pressão lateral muito forte. Por causa disso, não consigo o ouvir por mais de 10 minutos sem tirá-lo da cabeça. É uma sensação de claustrofobia que tem como culpados tanto os aspectos físicos quanto sonoros.
No que diz respeito aos agudos, novamente tenho pouco do que reclamar. Em quantidade, mais uma vez está no ponto. Não há qualquer traço de sibilância ou de agressividade, mas ao mesmo tempo nunca sinto que há a necessidade de mais brilho. Ao contrário do HE500, também não há nenhum pico exagerado, e como consequência a atuação do LCD2 nessa região é muito competente. A progressão dos médios até os agudos também é o que eu chamaria de ideal. Quanto ao corpo dos instrumentos e timbre dos agudos, se ele não atinge o nível das minhas referências (HP1000 e HD600, provavelmente), também chega longe de desapontar, e deixa para trás fones como SR-007, HD800, T1 e, em alguns aspectos, até o Orpheus.
Aliás, um detalhe interessante é que esse não é um fone terrivelmente difícil de ser empurrado. Apesar de, obviamente, um iPod ou iPhone não te levar ao melhor que o LCD2 é capaz de fazer, o resultado é perfeitamente escutável, e o volume é o suficiente para um ambiente mais quieto. É claro que uma amplificação decente é necessária para levar o fone a níveis de desempenho mais sérios, mas, ao contrário de boa parte dos fones high-end, ele é aproveitável ligado direto num tocador de mp3. E veja que, quando digo amplificação decente, me refiro a equipamentos muito menos pretensiosos do que os necessários para, por exemplo, um Sennheiser HD800. Pelo que já li, um Objective2 ou Apex Butte já são suficientes.
CONCLUSÕES
Minhas conclusões acerca do Audez’e LCD2 são complicadas. Tenho aqui um fone bem precificado – lembre-se que basicamente todos os concorrentes diretos são mais caros –, relativamente pouco exigente com equipamentos associados e, na minha opinião, com alguns dos melhores médios e agudos disponíveis em fones de ouvido. Não tenho medo em afirmar que, nesse aspecto, ouvi pouca coisa que consegue competir.
O LCD2 tem uma assinatura muito gostosa, cheia e cativante. Me lembra inclusive o JH13Pro, tendo uma capacidade parecida de lidar bem com qualquer gênero musical. É decididamente um fone mais quente, mas sem abandonar transparência e neutralidade. Podem ter certeza que consigo entender muito bem a razão de ele ter sido tão bem sucedido. Com essa avaliação, ficou claro para mim que estamos falando do que é certamente um dos melhores fones feitos atualmente.
O grande problema, para mim, é que suas falhas não me permitem aproveitar o que ele oferece de bom (excepcional, aliás – bom é pouco). Para mim, elas são simplesmente muito significativas. Em termos de conforto, não consigo me acostumar a tanto peso e a tanta pressão lateral. Para piorar, seu grande defeito de sonoridade anda lado-a-lado com seu defeito físico, e é como se um agravasse o outro. Esse excesso de graves aumenta em muito a sensação de claustrofobia e pressão que sinto com o LCD2, e ao longo dessa avaliação simplesmente não consegui deixar o fone na minha cabeça por mais de dez minutos seguidos – por um misto de fadiga física e auditiva.
É uma lástima, porque como já disse antes, posso atestar com veemência que esse é um dos melhores fones da atualidade. Devo deixar claro, também, que estou longe de afirmar que a horda de fãs do LCD2 está errada. Minha opinião quanto aos graves é puramente pessoal, e considero perfeitamente aceitável que muita gente aprecie sua personalidade nas frequêcias mais baixas. Afinal, em termos técnicos, ela é praticamente irrepreensível. Por isso, acho muito justo que esse fone tenha atingido tanta fama. Ele definitivamente merece.
Quem não se incomodar com graves tão fortes – e principalmente quem gostar deles – vai encontrar um fone realmente sensacional. E eu, apesar de ter encontrado, infelizmente não consigo aproveitar.
Audez’e LCD2 Rev.2 – US$995,00
- Driver planar-magnético único
- Impedância (1kHz): 60 ohms
- Sensibilidade (1kHz): 91dB SLP/1mW
- Resposta de Frequência: 5Hz-20kHz
Equipamentos Associados:
iMac, Cambridge Audio DacMagic, HeadAmp GS-X, iPod Classic, Samsung Galaxy S3