Grado HP1000

É engraçado como as coisas mudam. Aqueles que conhecem meu gosto sabem que não sou fã dos Grados. Gosto do SR60i e do SR80i, mas acima deles a história é um pouco mais complicada. Eles costumam ser muito agressivos, com médios excessivamente para a frente – no SR325i é tudo para a frente –, palco inexistente – com exceção do GS1000i e PS1000– e, para completar, desconfortáveis.

Até o HP1000 me pegar de surpresa.

Bem, sendo sincero, não totalmente. O que quero escutar depende muito do momento pelo qual estou passando na minha vida – daí minha coleção de 20 mil músicas –, não só em questão de músicas, mas também da sonoridade que procuro. Quando estava com um SR125i, estava ouvindo muito rock clássico, e vi que nesses estilos, ele se encaixava como uma luva. Eu estava em busca de uma assinatura cheia, doce e delicada, mas também queria algo que fosse o oposto.

Aproveitei uma rara oportunidade e consegui um Grado HP1000.

 

INTRODUÇÃO

Grado HP1000

A americana Grado, tradicional fabricante de fones de ouvido e cartuchos, é uma das marcas mais famosas no círculo de entusiastas de fones. Joseph Grado, o fundador da companhia, começou desenhando cartuchos para toca-discos e posteriormente fez caixas de som, toca-discos propriamente ditos e braços.

No final da década de 80, insatisfeito com o que estava disponível no mercado para monitoração, o engenheiro decidiu criar o melhor fone possível – um que fosse apurado, consistente e confiável para monitoração. Foi aí que surgiu o lendário HP1000, considerado um dos primeiros fones dinâmicos verdadeiramente high-end e, até hoje, um dos mais neutros – um que não possui assinatura sonora própria.

O HP1000 era caro e ajudou a quase levar a marca à falência. Só foram fabricados 1000 unidades, todas feitas à mão pelo próprio Joseph, em três versões: o HP1, com um switch de polaridade, o HP2, sem o switch, e o HP3, também sem, e ainda com drivers com um casamento mais tolerante a erros (nas outras versões é 0.05dB, no HP3, não se sabe). Também existem duas variações de cabo: o Joseph Grado Signature Ultra-Wide Bandwith Reference Cable (podem respirar agora) e Signature Laboratory Standard. A variação mais comum é a HP2 – versão do meu –, e a mais rara a HP3. Aparentemente, existem apenas em torno de 50 HP3 em existência, e dizem que a diferença no casamento dos diafragmas era mínima e a maior parte deles acabava com o casamento praticamente igual ao dos HP1 e HP2.

Joseph Grado e sua obra-prima

Recentemente, Joseph Grado, hoje com seus mais de 90 anos, resolveu fazer um upgrade nos HP1000, dando origem aos HP1i, HP2i e HP3i. O upgrade consiste num tratamento especial dos drivers e da parte interna dos cups. No caso do HP1, o switch de polaridade também é desativado, retirando uma peça do caminho. No entanto, apesar de efetivo, o upgrade é caro: custa 1.600 dólares, pouco menos do preço de mercado dos HP1000 atualmente.

 

ASPECTOS FÍSICOS

O HP1000 é praticamente igual a todos os outros Grados, mas com alguns detalhes que o tornam, na minha opinião, um dos fones mais bonitos já fabricados. A estrutura do fone é inteira de metal, ao contrário de todos os outros fones da marca, que possuem plástico e madeira. Joseph Grado não estava brincando: esse é um fone robusto.

HP2

O headband é de couro genuíno, mas isso não significa que o HP1000 seja confortável: ele definitivamente não é. O peso é substancial, e o headband possui uma quantidade ridícula de espuma, então ele exerce uma pressão considerável no topo da cabeça. O ajuste lateral é uma piada: ele é feito dobrando – forçando – o headband (!), que é de metal em sua estrutura, e portanto relativamente maleável. Bizarro. Só aqueles que tentaram saberão o quão perturbador é fazer isso com um fone tão caro e tão raro. O lado positivo é que a pressão lateral pode ser moldada ao seu gosto, ao contrário de basicamente todos os outros fones que conheço. Já o ajuste vertical é como o tradicional da marca: com “antenas” que deslizam sobre uma peça retangular. Porém, no HP1000, há travas que as seguram em sua posição.

Os pads originais são uma variação dos flat pads dos Grados atuais – têm uma espuma mais consistente e são abertos no meio. Tenho também os dois tipos de bowls (os menores, da linha Reference, e os maiores, da Statement e Professional) e os do Sennheiser HD414, que se encaixam perfeitamente no HP1000. As originais me dão a melhor sonoridade, já que esse é um fone feito para ficar muito próximo dos ouvidos, mas em compensação são assustadoramente desconfortáveis: não dá para ficar mais de 30 minutos com o fone nos ouvidos sem descanso. As flats do Sennheiser são ótimas em termos de conforto mas perdem um pouco de presença nos agudos, as bowls menores são boas e confortáveis mas têm menos grave e corpo que as originais, e as bowls grandes me dão mais palco mas perdem muito grave e corpo e criam uma assinatura sonora magra e fria. A avaliação será feita com os pads originais.

 

O SOM

HP1 com o switch de polaridade

O HP1000 é tido como sendo completamente diferente de todos os outros Grados. No entanto, a minha primeira impressão não foi essa. Ele é, de fato, mais relaxado, mais escuro e menos energético que os irmãos mais novos, mas o caráter “cru” e direto da marca continua firme e forte. O equilíbrio tonal ainda me parece um pouco puxado para os médios, mas os agudos são muito mais contidos que o comum nos modelos mais sofisticados da Grado.

Como disse, peguei o HP1000 num momento em que estou curtindo muito rock clássico, e querendo ouvir músicas mais leves (no sentido de não carregadas, tanto de instrumentos quanto de emoções), e essa característica crua nos Grados é ideal para isso. Então passei muito tempo ouvindo-o assim, despreocupadamente, apreciando o que me era apresentado mas sem que isso me distraísse. Só que comecei a realmente gostar dele, e para começar a avaliá-lo corretamente, coloquei minhas gravações de referência. Foi aí que me veio a realização: é isso. Na hora da gravação foi assim.

O curioso é que esse pensamento chega de forma diferente. Um dos meus últimos textos foi sobre a busca pela neutralidade e já expus meus pensamentos ali, mas para recapitular, cheguei à conclusão de que um Orpheus, por exemplo, chega extremamente próximo à performance original mesmo não sendo tão neutro em relação à mídia. Mas é como se ele te mostrasse uma realidade embelezada, te colocando no meio de um cenário muito bonito onde os músicos tocam ao seu redor, bonitos e arrumados, após tomarem um banho. Os sons também são muito bonitos.

O HP1000, na minha opinião, chega a um nível de fidelidade comparável. Mas ele não te mostra uma imagem necessariamente bonita: ele simplesmente te mostra um acontecimento sem firulas, com artistas cansados após horas de gravação, tocando num ambiente às vezes sujo. A palavra é “cru”, raw.

Os graves são muito bons. Não são tão fortes quanto algumas avaliações me fizeram crer, mas têm boa presença, excelente definição e impacto e velocidade realmente exemplares. Só não é um exemplo em extensão – ela é boa, mas não espetacular. Músicas com graves realmente baixos podem sofrer um pouco, mas são casos raríssimos, visto que a maioria das músicas não vai sonhar em chegar nesses extremos. A performance nessa região é de modo geral muito boa, e a integração dos graves com o resto do espectro é excelente. Em algumas situações, os graves poderiam ter mais um pouco de vigor, mas isso é muito dependente da gravação – as de referência vão encontrar uma das melhores performances já vistas, mas gêneros artificiais (como música eletrônica) nem tanto. Eles são extremamente secos e não apresentam qualquer tipo de gordura, o que pode ou não ser bem-vindo, dependendo do que se quer.

Os médios são a melhor – e mais complicada – parte do HP1000. A questão é que eles me parecem sim para frente, como a maior parte dos Grados, mas o curioso é que isso não parece afetar o equilíbrio tonal na renderização e no realismo dos instrumentos ou a apresentação geral dele. É como se tivéssemos, no retrato da performance original pintado pelo fone, os instrumentos médios (vozes, guitarras, violões, pianos, etc.) à frente dos outros – o que acontece na vida real com performances acústicas, diga-se de passagem. É engraçado, nunca vi isso antes. Parece que o que soa inicialmente como uma perturbação no equilíbrio tonal se revela na verdade como o que é mais adequado e mais real.

Essa característica é uma das grandes responsáveis por esse caráter “cru” do HP1000. Para muitos estilos, essa realidade nua e crua é exatamente o que se quer.  Parece não haver artificialidades, mas ao mesmo tempo os médios me soam sim felizes, o que compõe um caráter que beira o desagradável – mas é como se fosse uma realidade que beira o desagradável de tão crua e direta, mas ainda é uma realidade, e portanto, para um fone, é próximo à perfeição. Em gravações acústicas de referência ele soa, bem, como a referência, mas em alguns casos, com rock, as guitarras atacam os ouvidos, elas têm vida própria, uma característica física muito evidente. E isso faz com que a linha entre a perfeição e o desagradável seja extremamente tênue.

Os agudos, assim como os médios, são um caso à parte. Um problema que vejo frequentemente em fones é o incremento nos agudos, ou em algumas áreas dessa região. Já tive uma banda por um tempo e sei bem como um prato de bateria deve soar. O que ouço em 99,9% dos fones (e inclua aí HD800, JH13, SR-007, T1, HE500 e outros) é bem diferente da realidade. Há um brilho em algumas regiões que distorce completamente os pratos. Devo dizer que isso também é muito dependente da gravação, já que nelas é comum adicionar algum brilho para compensar a performance pobre da vasta maioria dos equipamentos de reprodução das pessoas.

HP1000 e SR60i

O resultado são pratos sem corpo, com um excesso de brilho totalmente irreal. Foge muito da realidade. Até hoje, apenas três fones conseguiram me convencer na renderização de pratos de bateria – que em termos de agudos são minha referência, já que residem quase inteiramente nas regiões mais altas: em primeiro lugar, Sennheiser HD600 (acreditem), seguido pelo Orpheus e depois pelo AKG K1000. O HD600 tem um pico que também adiciona algum brilho aos agudos, mas ele está em registros relativamente baixos e não afeta o corpo dos agudos; pelo contrário, é um brilho que soa real. O K1000, apesar de apresentar agudos escondidos nos médios, como disse em sua avaliação, tem uma excelente renderização de pratos de bateria, que têm o corpo necessário. O Orpheus os retrata de forma excepcional também, e a única razão de ele não estar no topo da lista é que ele apresenta algumas regiões um pouco incrementadas, o que distorce um pouco os pratos, mas é algo sutil e que não o tira desse seleto grupo.

Não sei porque isso acontece, já que praticamente não ouço esse tipo de reclamação, mesmo de audiófilos muito experientes. Às vezes acho possível que isso tenha a ver com a minha idade – ouço até 21kHz, e talvez eu consiga ouvir ainda muitos harmônicos em regiões altas que audiófilos mais velhos e mais experientes não consigam mais. Enfim, não sei a causa, mas sei que o que eu ouço na grande maioria dos fones não é como a realidade em termos de agudos.

HP1000 com um raríssimo HP2A, amplificador desenvolvido pelo Joseph Grado especificamente para o fone

O HP1000, no entanto, os superou. São, sem dúvida alguma, os agudos mais realistas que já ouvi num fone. Eles estão atrás dos médios – como disse na parte sobre o equilíbrio tonal –, mas são incrivelmente corretos tonalmente. Eles têm um corpo absolutamente fenomenal, ataque fantástico, ótima presença e um decaimento realmente realista, que parece respeitar o real decaimento de pratos de bateria. Minhas referências para boas gravações de pratos de bateria são os últimos dois álbuns da banda de rock instrumental Mogwai, The Hawk is Howling e Hard Rock Will Never Die, But You Will. Neles, achei alguns dos melhores exemplos nesse aspecto. E, com o Grado, encontrei ali o que mais se aproxima de pratos reais. Na faixa I’m Jim Morrison, I’m Dead, na primeira ponte antes do refrão, o baterista marca o tempo com a caixa e com o hi-hat semi aberto. As oscilações do hi-hat são incrivelmente verossímeis. A única coisa que eu gostaria é que eles estivessem mais à frente, como os médios – mas, tonalmente, beira a perfeição.

Em termos de transparência, o Grado é muito bom mas já revela sua idade. Ele não é tão transparente quanto um HD800, apesar de me soar muito mais realista em termos gerais. O mesmo pode ser dito a respeito da velocidade: ele é um fone rápido, mas fica muito atrás das atuais referências.

O palco sonoro é consideravelmente mais expansivo que o habitual da marca, mas ainda assim é relativamente restrito, e também não se compara a um HD800. É algo como um LCD2, mas um pouco melhor, porque o Audez’e tem uma sonoridade “cheia” que parece diminuir um pouco sua espacialidade. É, literalmente, como se os espaços entre os instrumentos fosse preenchido, e o arejamento sofre. Deve ser uma característica dos ortodinâmicos, já que o HiFiMAN HE500 apresenta a mesma característica. A palavra que melhor descreve o HP1000 nesse aspecto é, novamente, “cru”.

 

CONCLUSÕES

HD800 e HP1000

O HP1000 é um fone realmente surpreendente. Na minha opinião, para gêneros acústicos e gravações de referência, ele é em si uma verdadeira referência.

Não é um neutro como num Sennheiser HD800, Orpheus ou JH13Pro… é muito difícil explicar. O que acontece é que ele me parece cru. Essa é a palavra. Por isso ele não se dá bem com qualquer gênero, e eu teria dificuldades de conviver com ele como meu único fone, já que sua realidade nua e crua nem sempre é tão bem vinda.

Um HD800 por exemplo tem graves ali, médios muito doces e lineares, mas agudos demasiadamente presentes e um nível de detalhamento que ultrapassa os limites do que é natural. O JH13Pro é como um monitor de estúdio extremamente capaz, energético, mas com graves levemente acentuados e agudos um pouco felizes também, com um timbre não muito correto.

Joseph Grado ouvindo um HP1000 em seu sistema

O Orpheus é a perfeição mas tem sua personalidade eufônica, com um palco difuso, e também tem um nível relativamente artificial de detalhes em muitos casos. Como disse anteriormente, ele parece embelezar as músicas, incrementando aquilo que é bom – não me entendam mal; esse fone ainda é de longe o melhor que já ouvi, mas em termos de neutralidade absoluta, o HP1000 é comparável a ele, mas de forma distinta. No caso de uma voz por exemplo, o HE90 parece te deixar ouvir todas as micro nuances da voz, os respiros, os lábios abrindo, como se o cantor estivesse com você. O Grado deixa os artistas no palco, fazendo o que eles querem fazer.

O HP1000 é realmente muito diferente… ele soa acústico, analógico – mas não o analógico quente de vinis, quero dizer analógico no sentido de ser uma ferramenta passiva que transmite todo o realismo sonoro e físico dos instrumentos, com suas perfeições e imperfeições. Realmente não consigo explicar, mas com as gravações certas ele nunca soa como uma gravação de estúdio, modificada, mas sim como o evento acústico, cru, real, original.

É como se ele dissesse “cara, não quero te agradar, é isso que tá aí e pronto”. É quase antipático. Mas é de cair o queixo, e a grande obra prima de Joseph Grado, um atestado de sua maestria na capacidade criar equipamentos de áudio, não sai mais daqui.

 

Grado HP1000 – fora de produção (entre US$1.400 por um HP2 num mau estado de conservação e mais de US$3.000 por um HP1i em excelente estado)

  • Driver dinâmico único
  • Impedância (1kHz): 40 ohms
  • Sensibilidade (1kHz): desconhecida
  • Resposta de Frequência: desconhecida

 

Equipamentos Associados:

iMac, Meier Audio Eartube, Cambridge Audio DacMagic e Electrocompaniet ECD-1.

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