INTRODUÇÃO
Há alguns poucos anos atrás, as marcas de fones de ouvido mais populares tinham no topo de suas linhas fones que não costumavam passar dos 500 dólares, sendo os três clássicos o Sennheiser HD650, o AKG K701 e o Beyerdynamic DT880. Cada um desses fones apresenta seus pontos fortes e fracos, e no final das contas, escolher entre eles era puramente uma questão de gosto. Mas a questão é que, exceto pelos Stax e pelos antigos reis dos fones, eles representavam o ápice desse modo de reprodução sonora.
No entanto, nos últimos anos, o nível desse meio de reprodução aumentou consideravelmente. O mercado viu as grandes marcas lançarem novos topos de linha – Sennheiser HD800, Beyerdynamic T1, Grado GS1000 e PS1000 e Denon D5000 e D7000 por exemplo –, assim como a a ascenção dos planares Audez’e LCD2 e Hifiman HE-5 e seus sucessores.
Os novos topo de linha claramente elevaram o padrão, mas a um custo: de modo geral, não saem por menos de US$1.000, o que faz com que custem pelo menos o dobro dos irmãos mais simples.
Portanto, o que aconteceu, em minha opinião, é que esses antigos topo de linha são hoje o “sweet-spot” dos fones de ouvido. Ainda são excelentes e estão num patamar de preço que os tornam atraentes para os que desejam investir substancialmente num sistema de fones de ouvido, mas sem ter que hipotecar a casa – já que o salto para o próximo nível implica num investimento de pelo menos o dobro do valor.
Note que hoje também existem IEMs de alto nível, e os mais aptos são encontrados por preços semelhantes aos desses full-sizes. Apesar de terem seus méritos, suas virtudes são, de modo geral, inferiores às dos circunaurais. Uma ressalva é que não precisam de amplificadores dedicados, e então podem, no final das contas, acabar saindo mais baratos – mas com uma performance condizente com o preço investido. É possível, caso o comprador saiba procurar, adquirir um sistema baseado nesses circunaurais pelo mesmo preço de um IEM topo de linha.
Essa avaliação é sobre um dos três clássicos fones hoje considerados mid-fi: o AKG K701. Esse é um divisor de opiniões como poucos. Muitos o consideram excelente, especialmente pelo preço – é o mais barato dos três –, mas existem aqueles que simplesmente o odeiam.
ASPECTOS FÍSICOS
O fone veio com poucos acessórios: um adaptador P10 – P2 (não sei bem o objetivo, já que ele é incrivelmente exigente com amplificação) e uma estante de plástico para acomodá-lo quando não estiver sendo usado.
A construção é interessante – ele é inteiro de plástico, o que não é necessariamente ruim, exceto pela tira de couro que é o que ajusta o fone à cabeça. É relativamente leve, mas monstruosamente grande. É também muito bem acabado. Apesar de, de acordo com o que já li até hoje, eu ser a única pessoa no mundo a achar isso, não é particularmente confortável para mim.
Tenho muitas dores de cabeça e enxaquecas, e a pequena pressão que ele coloca em alguns pontos ao redor das orelhas já é suficiente para me causar algum incômodo. Não é que seja desconfortável, mas também não tem como esquecer que ele está lá.
Uma decepção foi a estante, que pelas fotos parecia de metal, mas é de um plástico de má qualidade e espuma. Entretanto, não deixa de ser uma adição bem-vinda, já que permite que o K701 se torne um objeto de decoração – coisa que faz muito bem; é muito bonito.
O SOM
Existe uma palavra em inglês que não tem tradução precisa, e é como eu descreveria o K701 em uma palavra: effortless.
Hoje em dia não sei se o considero um fone neutro; mas, para os meus ouvidos, é muito natural. Sempre soube que circunaurais eram realmente melhores que intra-auriculares de preço correspondente, mas não sabia que a diferença seria tanta. A grande vantagem de um fone desse tipo é, para mim, o fato de ser aberto. Ele soa muito natural e relaxado com tudo o que toca.
É muito difícil de explicar, mas é completamente diferente da sensação de um som fechado que se tem com um IEM, mesmo que dos melhores. Neles, a sensação que tenho, como disse na avaliação do IE8 e do SE530, é que existem pequenas bolinhas ligadas aos meus ouvidos e uma outra na frente do nariz. Elas são interligadas, mas essa ligação não é tão clara. Essas bolinhas têm seus limites muito claros, é possível ter uma total noção de onde elas terminam. Nos IEMs, a sensação é de que a música é limitada de forma não natural, enquanto no K701, parece que é a própria música que impõe esse limite.
Veja, isso não quer dizer que o fone apresenta um palco sem fim, dependente somente da música. Hoje, com o K1000, tenho a impressão de que o K701 faz é colocar qualquer música numa câmara imensa, e é por isso que muitos consideram o palco sonoro desse fone artificial. Não é algo que me incomode. Em minha opinião, essa câmara criada pelo AKG dá uma vida interessante às músicas, é uma apresentação natural que fica num meio termo entre a claustrofobia de um IEM e a apresentação de um espaço ilimitado proporcionada pelo K1000. É uma relação muito íntima mas, ao mesmo tempo, sem a proximidade excessiva dos intra-auriculares.
É importante perceber que esse palco sonoro é sim de certa forma artificial, visto que numa reprodução ideal, ele deve ser inteiramente dependente da gravação, e não pode ser influenciado pelo meio de reprodução. No entanto, não acho que essa artificialidade deve ser vista necessariamente como um ponto negativo; é um atrativo desse fone na minha opinião, mas há quem não goste e ache que algumas músicas podem soar distantes.
A sensação de palco sonoro no K701 não é, logicamente, comparável à de um bom sistema estéreo já que, por diversas razões, fones não são eficientes em enganar o cérebro de modo que achemos que o som realmente vem de fora da cabeça (o K1000 é uma exceção). No entanto, para um fone, o que o AKG proporciona é impressionante e, para mim, muito valioso, não só pelas razões já citadas, mas também por acrescentar uma habilidade muito prazerosa no que diz respeito ao decaimento – as notas falham nesse plano de uma forma que não pode ser descrita por outra palavra que não seja “linda”.
Ouvindo a The Book of Right On, da Joanna Newsom, por exemplo, a harpa e a voz simplesmente existem num espaço que o fone apresenta, mas não limita. É possível ouvir os limites da “câmara”, mas eles nunca são menores do que a própria música. Essa inclusive era uma música que me irritava ouvir no IE8, porque o excesso de graves criava uma reverberação muito estranha ao redor do som da harpa. No AKG, a música brota no meio desse espaço, muito natural e realista. É tudo muitíssimo bem definido e bem localizado. Parece uma coisa muito mais real – nos outros, em comparação, parece interpretação. Ao contrário do IE8, ele mostra a música como uma coisa “fina” e simples, como ela realmente é. Essa questão espacial aumenta essa sensação, porque no SE530, apesar de não existir essa reverberação, os sons são muito menores do que realmente deveriam ser.
A Rockpools, da Martha Tilston, é uma excelente forma de mostrar do que ele é capaz. Os violões introduzem a música muito delicadamente e parecem assumir a linha de frente. No entanto, quando a Martha começa a cantar, ela entra numa posição muito distinta dos violões; mais à frente ainda, com uma presença muito distinta. Mais para o meio da música, o contra-baixo acústico surge atrás dos violões e mais para o lado esquerdo. É fantástico!
Variações dinâmicas são muito bem renderizadas pelo K701, o que é muito interessante para música clássica. No entanto, esse não é um estilo no qual o AKG é particularmente bom, já que, para os meus ouvidos, seu equilíbrio tonal deixa a desejar em alguns aspectos, o que o torna estranho para a reprodução de violinos, por exemplo.
Como disse na avaliação do SR80i, um dos principais aspectos de um fone é o equilíbrio tonal. E é aí que se encontra um dos maiores defeitos do K701. Os agudos, apesar de serem muito brilhantes, presentes e muitíssimo bem definidos, vão além do que eu consideraria neutro, podendo soar ríspidos e, em várias gravações, exagerados. É algo que acostuma, mas para os meus ouvidos, se trata de um defeito.
Uma consideração importante é que eles não se comportam dessa forma o tempo todo. Existem gravações em que eu gosto de tê-los assim, porque naturalmente elas não têm muita atividade nessa faixa de freqüência, e consequentemente ele dá um brilho que não soa indevido; é muito bem integrado e dá mais vida à música. Normalmente isso acontece com música acústica e clássica. Por exemplo, no CD Black Swan, do Bert Jansch, os violões soam fantásticos, muito brilhosos e vivos. Os dedilhados fascinam. Inclusive, surpreendentemente, nunca ouvi sibilância.
Com outros estilos não é bem assim. Algumas músicas eletrônicas, por exemplo, são quase insuportáveis de ouvir, como a I Remember do Deadmau5 ou a Just One Second (Apex Remix) do London Elektricity. Ele pega pesado nos agudos.
Isso também acontece com muita coisa de rock (normalmente mais novos e pesados) e metal. Nesses estilos, normalmente, se tem muita atividade numa faixa de freqüência muito extensa, e os instrumentos costumam gerar um som muito “volumoso”. É como se houvesse uma camada enorme de som cobrindo uma gama de frequências muito extensa. Nessas músicas, o que acontece é que o fone puxa muito nos agudos, e a música acaba – apesar dos médios fantásticos do fone – soando um pouco fria e ríspida, porque os agudos tiram a concentração. Não é sempre, mas acontece bastante.
No entanto, felizmente, alguns rocks mais simples e crus, por assim dizer, como The Whitest Boy Alive, assim como rocks clássicos à la Led Zeppelin e Jimi Hendrix ficam ótimos, porque eles apresentam uma característica mais aberta e espacial – os instrumentos são mais finos e ocupam um lugar mais definido no espaço. Isso faz com que a música soe menos como uma “massa” e mais como instrumentos distintos fazendo música. Então, os agudos, ao invés de puxar a “massa” para o lado frio, eles complementam cada instrumento e a voz, e dão um brilho a mais a cada um deles. Nesses casos, assim como em música acústica, clássica e jazz, gosto de ter agudos assim. Em coisas mais pesadas, não.
Os médios do AKG são fantásticos. São muito presentes, definidos, líquidos e transparentes. Nesse quesito, realmente não tenho do que reclamar. Vozes são incríveis! Se tenho uma ressalva, é que em alguns momentos os médios podem soar encobertos pelos agudos.
A integração entre os médios e os agudos, inclusive, é exemplar. Ao contrário do que acontece com o Grado, os agudos soam como uma extensão dos médios (apesar de comparativamente mais fortes) – são distintos, mas ao mesmo tempo muito condizentes entre si. No IE8, essa continuidade não é tão evidente porque ele é um pouco sombrio, e ele acaba escondendo esse caminho; no SE530, parece que os agudos “entram” nos médios, não é uma integração definida.
Os graves são um ponto complicado no K701. Pelo que vejo, é a maior reclamação dos ouvintes. Pessoalmente, ao contrário de muitos, não o considero sem graves. Ao mesmo tempo, não acho que estejam em abundância, e de fato, falta impacto. Acho que muitos estilos se beneficiam de uma resposta mais leve nessa faixa de frequência e, além disso, não me incomodo com isso em boa parte dos estilos.
A extensão é excelente; os graves respondem muito bem até frequências incrivelmente baixas. A textura também é incrível; eles são muito secos e essa característica, aliada à grande habilidade de detalhamento, faz com que os graves sejam provavelmente os mais definidos de todos os fones que já ouvi.
Essas características tornam o julgamento dos graves muito complicados, porque, da mesma forma que é possivel apreciar e respeitar alguns aspectos, outros podem deixar a desejar. Ouvindo um bom hard rock ou algumas músicas eletrônicas, não é difícil querer mais impacto. Em compensação, ouvindo coisas mais leves, como músicas acústicas, a textura e definição encantam.
Um outro aspecto que me deixa muito satisfeito com relação aos graves é a ausência da reverberação que tanto me incomodava no IE8. Agora dá a sensação que se tem espaço para respirar! Essa reverberação é causada por uma característica muito presente em boa parte dos fones hoje em dia – o mid-bass hump. É um “boost” na região dos médios graves, que dá a percepção de mais graves, o que é muito valorizado pelos não entendidos, mas dá arrepios aos mais experientes. Essa característica gera uma resposta pouco linear nos graves, que em casos mais sérios pode prejudicar seriamente a sensação de extensão.
NUM SISTEMA HIGH-END
Agora, vou acrescentar uma consideração. Estou fazendo esse adendo porque todo o review foi escrito usando um sistema composto por um iMac e um Pioneer CLD-D703 servindo de transporte para um DacMagic, que alimentava um Little Dot MKIII e um Cambridge Audio DacMagic. Considero um set-up à altura do fone.
No entanto, resolvi fazer uma experiência com equipamentos mais sofisticados, usando um MacMini como transporte para um DAC Electrocompaniet ECD-1 que era a fonte do Little Dot, usando cabos de força e interconexão Acoustic Zen. Dessa forma, quis conferir como o AKG se sairia com fonte, cabos e tratamento de energia de alto nível. O corpo principal dessa avaliação não contém minhas impressões com esse sistema, já que não considero a possibilidade de alguém construir um sistema de quase R$15.500 em fonte, tratamento de energia e cabeamento em volta de um K701, e meu objetivo é publicar um review no mundo real. Também tenho certeza de que não adianta muito usar um sistema desse nível e
continuar com uma amplificação comparativamente medíocre – o MKIII com válvulas stock –, mas é o que tinha disponível. De toda forma, foi uma experiência muito interessante que revelou as diferenças que essas mudanças podem fazer, mas tenho total consciência de que essa limitação na amplificação foi um grande impasse para que a performance do fone melhorasse ainda mais.
Nesse sistema, a primeira mudança que pude notar foi um enorme salto na qualidade do equilíbrio tonal e timbre do AKG. Não vou dizer que ficou perfeito – ainda não considero uma neutralidade absoluta –, mas os médios assumiram a linha de frente, com um calor e definição lindíssimos, e os agudos deram um passo atrás, sendo muito mais contidos, definidos e com um decaimento muito mais natural. Grande parte da granulação desaparece e o K701 ganha um requinte a mais em refinamento e transparência nos médios. Os graves apresentaram mais corpo e passaram a ser um pouco menos secos, ganhando uma característica mais analógica e sedosa.
No final das contas foi uma ótima experiência e, apesar da limitação na amplificação, pôde mostrar um pouco mais do que o AKG pode fazer – mas, como disse antes, foi mais uma brincadeira, já que só o cabo de força mais barato (ou menos caro) já custa o dobro do fone.
CONCLUSÃO
O AKG K701 não é um fone fácil. Primeiro porque, apesar de ser o mais barato dos três antigos reis, é sem dúvida nenhuma o mais exigente com amplificação. Segundo porque, apesar de apresentar uma sonoridade extremamente atraente para os meus ouvidos, é odiada por muitos, que não apreciam sua relativa frieza em comparação aos outros dois e também seu palco sonoro artificial.
Mas, aos que desejam um fone incrivelmente aberto, arejado e com um grande poder de resolução, sem perder uma deliciosa intimidade com a música; e estão dispostos a conviver com um equilíbrio tonal que não é dos mais realistas pela “felicidade” nos agudos, tenho total certeza de que o AKG K701 vai surpreender. Só não se esqueça que esse é um caso do barato que sai caro.
Ficha Técnica
AKG K701 – US$ 349,00
- Driver dinâmico único
- Sensibilidade (1 mW): 105 dB SPL/V
- Impedância (1kHz): 62
- Resposta de Frequências: 10Hz – 39,8kHz
Equipamentos Associados:
Transportes: iMac, MacMini, Pioneer CLD-D703
DACs: Electrocompaniet ECD-1, Cambridge Audio DacMagic
Amplificação: Little Dot MKIII, Marantz PM-11S2, Cambridge Audio 340A SE
Energia: AC Organizer LC111
Cabeamento: Acoustic Zen Krakatoa, Acoustic Zen Silver Reference II