Pelo que vejo, fones hoje em dia são a porta de entrada para a audiofilia, e como resultado, muita gente ainda não entende bem algumas coisas a respeito de alguns equipamentos. Além disso, acho que pessoas mais experientes têm percepções e exigências muitas vezes diferentes dos iniciantes, e então as coisas podem ser postas em proporções diferentes – o que, para os novatos, pode gerar grande decepções. Meu objetivo com esse texto é tentar explicar de forma básica algumas coisas. Nem tudo é fácil de entender, e muitas partes são variáveis, dependendo de muita coisa. Tentei explicar tudo de uma forma geral, mas, havendo qualquer dúvida, a seção de comentários está aberta para dúvidas.
Primeiramente, há um resumo da situação: o que penso de maneira resumida sobre os benefícios de amplificadores e DACs para um sistema. O resto fica mais como um texto para os que se interessarem mais pelo assunto ou quiser uma explicação mais detalhada. Depois do resumo, coloquei um texto sobre a teoria e outro sobre a prática de amplificadores, e DACs. Na parte teórica, tentei explicar o que sei sobre cada um desses equipamentos, e na parte teórica, tentei aplicar alguns conceitos para o uso com fones de ouvido.
RESUMO – para saber logo o que fazer em diferentes situações:
NOTA: Em qualquer equipamento, se você quiser usar um DAC, precisará obrigatoriamente de um amplificador também. A partir do momento em que os dados digitais são retirados do equipamento – seja ele um player, um computador ou um celular –, seu amplificador interno é retirado da jogada (afinal, o circuito do DAC fica antes do amplificador, e você está tirando o sinal antes do DAC interno e enviando para um externo) Com um conjunto DAC/Amplificador, como um FiiO E17 por exemplo, isso não é problema, porque ele é também um amplificador. Mas com um puro DAC, como o Cypher Labs Algorythm Solo, é necessário usar também um amplificador.
- Se você pretende usar um in-ear no seu player portátil, esqueça amplificadoress e DACs. Compre o melhor in-ear que puder e seja feliz.
- Se você pretende usar um full-size no seu player portátil, veja se ele é minimamente difícil de empurrar. Se for, compre um amplificador.
- Se você pretende usar um in-ear no computador e a saída dele chiar, compre um DAC/Amplificador, juntos ou separados..
- Se você pretende usar um full-size no computador e a saída dele chiar ou se o fone for difícil de empurrar, compre um DAC/Amplificador, juntos ou separados.
- Se você já tiver um excelente in-ear custom e quiser tirar o máximo possível dele, ou se tem o hábito de comprar e testar vários in-ears e quer um sistema definitivo para testá-los, aí sim compre um amplificador, com ou sem um DAC.
- Se você tem um in-ear ou full-size e não gosta mesmo dele, venda e compre outro. Não é nem o amplificador e nem o DAC que vão resolver.
- Se você tem um full-size e não gosta de algum aspecto dele, por exemplo, quer um pouco mais de graves ou um pouco menos de agudos, aí sim uma amplificação ou DAC podem resolver.
AMPLIFICADORES
1) Teoria
Em reprodução de som, o que basicamente acontece é o seguinte: um meio contém uma gravação, digital ou analógica, que é interpretada por uma fonte que, a partir desse meio, gera sinais analógicos. Esses sinais analógicos são amplificados pelo amplificador para que sejam suficientes para excitar o diafragma de uma caixa de som ou fone.
O que amplificadores fazem é pegar um sinal low-level ou line-level, gerados por uma fonte (player, DAC, toca-discos, instrumento musical, etc) e amplificar.
Caixas de som funcionam através de princípios mecânicos, já que os drivers, de qualquer natureza que sejam, dependem de um impulso mecânico que excita os drivers, gerando a vibração necessária para reproduzir a vibração (som) que está na gravação. Essa energia é elétrica, e portanto vem da tomada (ou de baterias, em equipamentos geralmente caríssimos – fonte próxima de energia limpa), então pode-se dizer que um amplificador faz nada mais que manipular energia elétrica, de modo que ela reproduza o que está numa gravação – que é o que vem da fonte. Por isso que audiófilos investem em condicionamento de energia e bons cabos de força; se a energia não estiver “limpa”, o sistema não vai atingir o seu verdadeiro potencial.
Qualquer amplificação ideal possui dois estágios, pré-amplificação e amplificação. No pré-amplificador ocorre uma primeira manipulação do sinal, mas é o amplificador (também chamado de power) que provê o sinal com a corrente necessária para excitar os falantes numa caixa de som. O mais comum é vermos os dois juntos, em amplificadores integrados, mas quando a coisa vai ficando mais séria, vemos os dois separados, até chegar à separação do power em um (ou mais) para cada canal.
Existem amplificadores dos mais diversos, usando as mais diversas tecnologias, mas uma coisa que se vê muito é a questão da classe do amplificador e se ele é estado sólido (transistorizado) ou valvulado. Isso vale tanto para pré amplificadores, powers ou integrados.
As classes indicam o modo como eles operam em relação ao sinal manipulado e à energia utilizada. Podem ser classe A, B, AB, C, D e E. Os famosos amplificadores classe A são extremamente valorizados por muitos audiófilos, porque costumam ter, em teoria, a melhor qualidade de som sem distorção. Em compensação, são muito ineficientes (em torno de 25% de eficiência – por isso esquentam demais, boa parte da energia é perdida em calor). Um detalhe é que a potência é geralmente baixa – é difícil ver um amplificador classe A com mais de 100W RMS, por exemplo, existem, mas não são muitos –, mas dispõem de muita corrente, então muitas vezes acabam sendo mais fortes que amplificadores de classes diferentes com maior potência nominal.
Além disso, há a questão de válvulas e transístores. São tecnologias diferentes para amplificar um sinal, e cada um tem suas características. Válvulas tem um som mais macio, médios mais líquidos e agudos com um ligeiro roll-off. Elas induzem certas distorções no som, mas são distorções eufônicas, geralmente agradáveis para o ouvinte (ou ao menos quem gosta do som mais vintage de válvulas). Em compensação, amplificadores SS (solid-state, estado sólido) têm mais “pegada”, são mais incisivos e têm mais controle nos extremos. Mas muitas vezes não têm a maciez e a espacialidade das válvulas, podendo soar mais frios e agressivos. Escolher entre um e outro é puramente uma questão de gosto e de sinergia com o resto dos outros equipamentos, mas é interessante notar que existem amplificadores híbridos, que usam as duas tecnologias em estágios diferentes da amplificação.
Em casos de fones, a história é mais ou menos a mesma, mas eles geralmente precisam muito menos força do que caixas de som. Inclusive, pré-amplificadores geram ganho de voltagem (mas não de corrente) no sinal, e esse ganho muitas vezes já é suficiente para empurrar a maioria dos fones. Daí a implementação de saídas para fones em tantos equipamentos de som e a quantidade de prés com amplificadores de fones, ou amplificadores de fones que também são prés.
Obviamente, entram outras questões na equação, como sensibilidade e impedância das caixas ou fones. De modo geral, quanto menos sensível, e/ou quanto maior a impedância, mais difícil de empurrar. Bons fones costumam se beneficiar de amplificação dedicada, já que mais potência significa mais headroom (quanto mais longe do limite de um amplificador, melhor a qualidade de som) e mais controle total do diafragma. Por exemplo, ligado no iPod, o K701 é baixo, estridente e praticamente não tem graves. Isso é um sinal de que a amplificação dele não tem corrente suficiente para obter o controle total do falante. Ou seja, os sinais gerados literalmente não têm força para empurrar o diafragma e fazê-lo se movimentar o suficiente para gerar bem os sons graves, que necessitam de uma maior movimentação do diafragma. Existem algumas exceções, como por exemplo o K1000, que precisa de uma corrente absurda para um fone (são recomendados pelo menos 8W em 8 ohms) e os eletrostáticos, que usam uma voltagem imensa e por isso precisam de transformadores específicos.
De modo geral, in-ears já se contentam com players portáteis e amplificações não pretensiosas, mas alguns se beneficiam de coisas melhores. Já bons fones full-size costumam precisar de boa amplificação para chegarem ao seus verdadeiros potenciais. São como caixas de som. 1W já é mais do que suficiente para empurrar caixinhas de computador, mas uma MBL 101 X-Treme não vai tocar praticamente com menos de 100W RMS. Mas, assim como nos fones, pode até sair som, mas esses 100W vão ser no máximo suficientes para chegar a níveis audíveis; uma caixa dessas, para atingir o seu potencial, geralmente vai precisar de para lá de 600W RMS. Para dar uma ideia, a amplificação da MBL ideal para essas caixas é o 9011, que idealmente é usado em pares para empurrar as 101. Nessa configuração, eles têm 840W em 4 ohms, que é a impedância da caixa.
A parte prática, na questão das conexões, fica assim:
As fontes (DACs, CD Players, etc.) são ligadas ao pré amplificador. Ele é ligado ao amplificador, que é ligado às caixas. Em amplificadores integrados,as fontes são ligadas diretamente ao integrado, que é ligado às caixas. Em ambos os casos, todas as conexões são analógicas, nada digital – e são feitas através de cabos RCA normais ou balanceados, XLR.
2) Prática
Primeiro de tudo, nenhuma amplificação vai fazer nada ir da água para o vinho. Hoje vejo que pelo menos 70% do som de um sistema vem das caixas ou fones (excluindo a gravação), e o que um amplificador pode fazer é acentuar ou amenizar algumas características, dar uma refinada no som, trazer os médios um pouco mais para a frente… mas a essência vai continuar.
Por exemplo, se você tiver um AKG K701 ligado num amplificador sem força vai achar o som magro e sem peso. Um amplificador mais forte vai resolver isso, dando mais corpo e presença, mas de novo, não vai mudar a essência do som dele.
Em in-ears, amplificações dedicadas vão fazer pouquíssima diferença, se alguma. Isso vale para qualquer IEM. Existem algumas exceções, como por exemplo o Yuin PK1 que é muito ineficiente e os customs, que se beneficiam um pouco de amplificação dedicada. Mas, nos customs, ainda estamos falando de pequenos detalhes.
Por exemplo, testei o SR71A de um colega audiófilo no JH13, e deu sim uma diferença notável, os graves deram uma arredondada, e os médios e agudos uma refinada. Mas foi uma diferença de 500 dólares? Não! Mudou pequenos detalhes.
Se você tiver um IEM universal, acredito que a relação custo-benefício de um amplificador seja muito pequena. O ganho vai ser muito maior se esses 100 dólares do amplificador (ou seja, considerando os mais baratos “baratos”, caros então…) e investir num fone melhor. Só recomendaria um amplificador portátil para um in-ear caso seja um custom dos melhores e a pessoa queira tirar o máximo possível do fone, ou ainda se tiver o hábito de comprar e testar vários in-ears universais e quiser um excelente sistema sempre disponível para novas aquisições. Mas, de novo, a diferença vai ser bem pequena.
Para full-sizes, a história é outra. Existem alguns que precisam de amplificação e outros não. Isso, ao contrário do que muitos acham, não tem necessariamente a ver com impedância. Em alguns casos sim, mas em outros não. Em compensação, mesmo nos que não precisam, o benefício de se usar um amplificador vai ser mais audível do que com in-ears.
Por exemplo, o AKG K1000 é 120 ohms e há o Beyerdynamic DT880 de 600 ohms. Se você colocasse a mesma potência necessária para fazer o K1000 chegar a um volume aceitável no Beyer, você provavelmente estouraria o diafragma dele. Tocar com ou sem amplificador tem a ver com uma combinação de fatores. Existem níveis de fones e níveis de “necessidade” de amplificação.
De modo geral, se você quiser um full-size mais simples, como um Shure SRH440, Audio Technica M-50 ou algo do tipo, não precisa se preocupar com amplificação. Até pode dar uma melhorada, mas novamente seria mais jogo investir o gasto extra num fone melhor. Já se você estiver pensando em fones do nível dos HD600, DT880 e K701, por exemplo, aí o gasto num amplificador é mais importante. Eles talvez fiquem aquém de seus potenciais em players portáteis e vão ser tranquilos em saídas de receivers, por exemplo. Mas o benefício de usar um amplificador é muito maior e, nesse caso, justificável.
DACS
1) Teoria
DAC significa Digital to Analog Converter, ou seja, conversor digital – analógico. Ele pega um fluxo de bits digital e converte para analógico.
O som pode ser gravado de duas formas, analógica e digital. Numa gravação analógica, tudo o que o microfone captou vai para um meio físico. Já no digital, ele pega os sinais analógicos captados pelo microfone e transforma em bits, ou seja, transforma essas informações analógicas em 0s e 1s. Dessa forma, uma curva analógica, que representa fielmente o som real, é aproximada numa amostragem.
Essa imagem explica bem:
A qualidade dessa aproximação digital depende de algumas coisas, como taxa de amostragem e bit depth. A taxa de amostragem é, durante a passagem do sinal analógico para o digital, a frequência com que medições do sinal são feitas por segundo. Por exemplo, em CDs, essa taxa é 44.1kHz, o que significa que a cada segundo, 4.100 medições do sinal foram feitas. Dessa forma, quanto maior o número de medições, mais informação existe sobre uma determinada curva analógica. Isso, no entanto, não significa que o resultado será uma curva “quadriculada”. As linhas retas são funções que, através do DAC, são reconvertidas para curvas basicamente idênticas às analógicas originais. Para maiores esclarecimentos, recomendo esse vídeo, inclusive com legendas em português.
Bit depth basicamente é o número de bits de informação gerados para cada medição (cada uma das 44.100 de CDs, por exemplo). Eles determinam o dynamic range do sinal, ou seja, a diferença entre os sons mais altos possíveis e os mais baixos. Em CDs temos 16 bits, e DVDs 24 bits, por exemplo.
Tanto bit depth quanto taxa de amostragem geram intermináveis debates sobre ser ou não possível ouvir diferença entre arquivos de alta resolução. Mas, regra básica para os não céticos, quanto mais, melhor. Mas também não adianta querer ouvir diferença entre um arquivo 44.1kHz e um de 96kHz em caixinhas 2.1 da Logitech.
Essas duas medidas dizem respeito a qualquer arquivo digitalizado de som. Mas, hoje, existe uma outra questão, que é a compressão dos arquivos. Os arquivos crus, sem compressão, como WAVE por exemplo, são imensos, e então existem técnicas para comprimí-los por questões de conveniência, como os famosos mp3. Eles normalmente não interferem na taxa de amostragem ou no bit depth (essa informação não está correta! Peço desculpas – o leitor rdelerue apontou o erro, e a correção está no final do artigo), mas forçam o arquivo a ter um número limitado de bits por segundo (kbps – kilobits por segundo). Isso é feito cortando os extremos, que em teoria, em compressões moderadas, não são audíveis, mas cortam nuances. Essas nuançes que geram palco, arejamento, recorte, resolução, e etc, o que faz toda a diferença para gente.
O que o DAC faz é pegar esse sinal digital e converter de volta para impulsos elétricos, analógicos, que serão amplificados e enviados para as caixas.
DACs são implementados em qualquer equipamento que toque som digital: celular, DVD, CD player, computador, etc. O problema é que esses DACs (e seus respectivos estágios analógicos, que são tão importantes quanto os DACs em si) são muito fracos, e então, para quem quer qualidade, DACs discretos são essenciais. Aliás, quando a gente vai chegando nos equipamentos topo de linha, cada coisa vai sendo feita por um aparelho separado. CD Players, por exemplo, se dividem em fonte, transporte, DAC e clock.
DACs têm entradas digitais (XLR, coaxial e ótica), onde se liga a fonte digital, e saídas analógicas (balanceadas ou RCA), onde se liga o amplificador.
Muitos DACs hoje em dia também são prés, e consequentemente muitos também são amplificadores de fones, ou seja, fazem a primeira fase de amplificação, que já é suficiente para tocar a maioria dos fones. Nesses casos, eles também podem ter entradas analógicas – caso você só queira usar a parte de (pré–)amplificação dele – e saída direta para fones.
2) Prática
Como expliquei, DACs são conversores digital-analógico. Ou seja, pegam o bitstream de algum arquivo digital e convertem para impulsos elétricos, que vão ser amplificados. Isso significa que eles só vão poder ser usados em equipamentos que possuam saída digital (poucos players possuem essa função).
Combos DAC/Amp portáteis são feitos para serem utilizados em computadores normalmente, visto que até onde sei as entradas dos portáteis são sempre USB. Usando esse combos em players portáteis, apenas a seção de amplificação vai ser usada, e como expliquei, só vai ser justificável com o uso de um full-size.
Em computadores sim pode valer a pena mesmo com IEMs, porque aí a seção do DAC também vai estar sendo usada, e ela sim pode dar boas melhoras. De modo geral, se estivermos falando de DACs baratos, a diferença ainda vai ser pequena, então isso não costuma ser necessário, a menos por exemplo que a saída de fones do computador chie muito ou que você pretenda usar um full-size – mas aí, novamente, vai ser bom por causa do amplificador. Um DAC vai resolver o problema porque vai passar por cima do DAC e da amplificação interna do PC, resolvendo assim o chiado e a incapacidade do PC de empurrar fones mais difíceis.
Então, DACs portáteis só vão ser importantes caso você deseje usar o fone no PC. Os combos DAC/Amp podem ser usados em players portáteis, mas só a seção de amp vai ser usada, e então só vai ser justificável com um full-size pelo que expliquei na parte de amplificação.
ERRATA: O leitor rdelerue apontou um erro na parte teórica a respeito dos DACs. Aqui está a correção, em suas palavras:
Só corrigindo: uma compactação do tipo lossy, como o mp3, compacta justamente o bit depth, daí porque a qualidade deles é normalmente medida em kbps, ou seja, kilo bits por segundo. Essa medição é oficialmente chamada de bit rate, e a fórmula é:
Bit rate = (sampling rate) x (bit depth) x (número de canais)
Assim, um CD tem 1411.2 kbps. Porém, quando transformamos em mp3, ficamos limitados a 320 kbps. Como o mp3 não precisa necessariamente mexer no sampling rate nem no número de canais, o que resta pra ‘fechar a conta’ é o bit depth mesmo. No caso das compactações lossless, como o Flac, a compressão é feita como se fosse um zip, de forma que o arquivo, quando descompactado e tocado, é uma cópia 100% fiel do original (um CD, por exemplo). Não é à toa que os arquivos compactados assim são enormes, ainda que bem menores que os PCM oriundos do CD.